Sou Marta, mas meu voto é do Dito Machado

Em 1982, nas primeiras eleições diretas para governador depois do golpe de 1964, os repórteres que faziam a cobertura da campanha dos principais candidatos para a “Folha” sofriam uma pressão danada de todos os lados.

Eu era um deles. Fui escalado para acompanhar o candidato favorito, Franco Montoro, do antigo MDB, que acabou ganhando a eleição. Nenhum de nós estava muito habituado com esse negócio de democracia depois de tantos anos de ditadura e eleições indiretas.

Foi uma disputa muito acirrada. Outros candidatos fortes eram o ex-presidente Jânio Quadros; Reinaldo de Barros, apoiado por Paulo Maluf, e Lula, lançado pelo recém-criado PT, a grande novidade da eleição.

Meu trabalho foi bastante facilitado porque tinha uma boa relação com Montoro. Fui colega de ginásio dos filhos dele no Santa Cruz, e seu assessor de imprensa era um velho amigo, o Quartim de Moraes.

O problema para nós, repórteres, eram os “luas-pretas”, como eram chamados os estrategistas das campanhas, antes que surgissem no cenário os badalados marqueteiros.

Eles sempre achavam que os repórteres estavam sacaneando seus candidatos em benefício de outro. Como todos sabiam que eu era amigo do Lula, os “luas pretas” de Montoro achavam que era muito crítico nas minhas matérias.

E vice-versa: os “luas pretas” de Lula achavam que eu tinha sido cooptado pelo MDB e estava puxando o saco do Montoro.

Não sei quem teve a idéia numa reunião com Octavio Frias de Oliveira, mas o dono do jornal a aprovou no ato: cada repórter deveria escrever um artigo para a edição dominical da semana anterior à eleição, informando em quem iria votar e por quais motivos.

Os principais jornais norte-americanos já adotavam esta prática havia muito tempo, declarando apoio explícito a um ou outro candidato, mas aqui no Brasil foi um espanto.

Apesar da minha declaração de voto, Lula ficaria em terceiro ou quarto lugar. Jornalistas não são tão influentes, como muitas vezes pensam os chamados formadores de opinião, mas também têm o direito de revelar suas preferências a exemplo de qualquer cidadão.

A duas semanas das eleições municipais de 2008, os repórteres já não sofrem tantas pressões e cobranças como no tempo dos “luas pretas”. A democracia faz parte da nossa rotina e não há motivos para fazer de conta que somos apartidários, imparciais, neutros, meros observadores da campanha que entra em sua reta final.

Por isso, lembro esta iniciativa da “Folha” de 26 anos atrás apenas para dizer que apoio Marta Suplicy em São Paulo, embora não vá votar nela.

Explico: faz muito tempo, transferi meu título para Porangaba porque assim não preciso trabalhar no dia da eleição e aproveito para rever os amigos. Como lá não tem candidato do PT, vou votar no Dito Machado, do PSDB, um bom prefeito, que é candidato à reeleição.

A cidade está bem cuidada, quer dizer, ruas e praças limpas, estradas rurais transitáveis, postos de saúde e escolas administrados com zelo, dá gosto de ver o trabalho dele.

Em São Paulo, tudo indica que haverá segundo turno, a ser disputado entre a ex-prefeita Marta, do PT, e o atual prefeito, Gilberto Kassab, do DEM, que também está fazendo um bom trabalho. Seja qual for o vencedor – hoje é impossível dizer quem será – a cidade estará bem servida. E é apenas isso que importa, seja na maior cidade do País ou na minha pequena Porangaba.

Não tenho, claro, a pretensão de influenciar o voto de ninguém. Apenas acho, como o “seu Frias” em 1982, que os leitores têm o direito de saber o que eu penso a respeito das próximas eleições.


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