Spaghetti alle vongole e misto quente

Foto: Hélio Campos Mello
Foto: Hélio Campos Mello

São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil, com oito milhões e meio de eleitores, sintetiza esses 25 anos de democracia. Em São Paulo tem de tudo. Gente que odeia ciclovia, gente que gosta de andar de bicicleta, gente que odeia pobre, gente que se manifesta, gente que não suporta manifestante. Um lugar fascinante. Para o bem e para o mal.

Num mesmo dia, durante o almoço e o jantar, duas cenas mostram as diferenças dessa cidade síntese.

A primeira, no almoço, em uma padaria de qualidade – bons pães, bons frios, bom atendimento – plantada em uma esquina de um bairro de classe média, a Vila Mariana, onde os atendentes atrás do balcão conversam enquanto trabalham. Diz um: “Viu a pesquisa? Que coisa! Não dá pra votar num cara que perde no seu próprio Estado”.

“E ele foi governador lá e diz que aquilo é uma maravilha”, responde o outro.

Deste lado do balcão, entre uma dentada e outra de meu sanduíche, pergunto: “E aqui? Qual é o resultado da pesquisa?”.

Vem a resposta: “Aqui em São Paulo sempre dá PSDB”.

Eu retifico: “Não, não! Eu estou perguntando aqui dentro, entre vocês” – são cerca de uma dezena de funcionários – “qual é o resultado aqui?”.

Vem a resposta: “Ah! Aqui a gente sempre vota PT”.

Na segunda cena, no mesmo dia, no jantar, em um restaurante muito, mas muito sofisticado e também de excelente qualidade de comida e serviço, no bairro de classe muito, mas muito alta dos Jardins, o maître, de cardápio em punho, trava um diálogo em uma mesa ocupada por três rapazes.

Um deles pergunta, apontando o cardápio: “Como é que é isso aqui?”.

O maître, solícito, responde: “Esse é o nosso spaghetti com frutos do mar. É uma deliciosa massa feita com vôngole, camarões, lula…”.

Ele é interrompido com um sorriso arrogante: “Lula??? Amigo, amigo! Lula, aqui, só no caixão! Vamos para outro prato”.

O spaghetti alle vongole do restaurante e, diga-se, todo o cardápio, não é contaminado pelo veneno do preconceito burro de alguns comensais e é imperdível, assim como os sanduíches da padaria da Vila Mariana, que também são de salivar.

E esse cenário apesar de profundamente contraditório, fruto de 25 anos de democracia, é de se comemorar.

***

O autor da reportagem que abre o conjunto de capa desta edição, Vinícius Mendes, é um paulistano de 24 anos, nascido no bairro da Casa Verde. Torcedor do Corinthians, sua mãe é professora de pintura e seu pai, maquinista de trens da CPTM. Foi dele a sugestão de colocar uma lupa nesses 25 anos, da primeira eleição direta para presidente da República em 1989, depois da ditadura militar de 1964/1985, até esta, a sétima. Dessas, Vinícius votou em uma, em 2010.

Um bom voto para nós todos.

*Hélio Campos Mello é Diretor Editorial da Brasileiros.


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