Sustentabilidade

Até os olhos chegarem ao final desta frase, cerca de 15 crianças terão nascido no mundo. Quando a próxima edição desta revista chegar às bancas, serão pelo menos 6 milhões de habitantes a mais. Em 12 meses, a soma é de assustar: 78 milhões de novos seres humanos, quase uma Alemanha a mais, todos os anos. A humanidade levou centenas de anos para atingir seu primeiro bilhão de habitantes, em 1800. Depois da Segunda Guerra Mundial, com o avanço na agricultura, nas condições de saúde e higiene, o mundo iniciou um ciclo de crescimento que só acelerou. Em outubro de 2000, a população mundial superou os 6 bilhões de habitantes, dobrando em apenas 40 anos. Em 2050, estima-se que a família humana supere os 9 bilhões de pessoas.

Uma das mais sérias conseqüências dessa explosão demográfica é o fato de que, hoje, os 6,7 bilhões de seres humanos que vivem no planeta já consomem mais do que a Terra tem condições de suprir. Se os padrões de consumo e produção continuarem nesse ritmo, em 50 anos serão necessários dois planetas Terra para atender a nossas necessidades de água, energia e alimentos. Pior: os recursos naturais não são mais tão abundantes devido ao aumento da poluição do ar, das águas, do solo e da produção de lixo, que prejudicam a capacidade do planeta de se recuperar.
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E o que fazer para frear, minimizar ou mudar esse cenário? É aí que entra a idéia da sustentabilidade. O primeiro esboço do que seria um desenvolvimento sustentável surgiu em 1972, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em Estocolmo, na Suécia, como a busca de um modelo de crescimento mais justo, ecologicamente correto e economicamente viável. Nesse novo formato, as organizações empresariais e a sociedade civil assumiram um papel fundamental. Oficialmente, porém, o movimento ganhou contornos há menos tempo, em 1987, em outra conferência das Nações Unidas, quando o relatório Nosso Futuro Comum lançou a idéia da sustentabilidade como síntese do desenvolvimento econômico com conservação ambiental. O documento histórico – também conhecido como Relatório Brundtland, em homenagem à primeira-ministra norueguesa, Gro Brundtland – descreve o desenvolvimento sustentável como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas necessidades”.

A grande conclusão dos especialistas reunidos pelas Nações Unidas naquela ocasião é que não basta reduzir o padrão de consumo da humanidade para aliviar a pressão sobre a Terra. A solução está em uma produção mais eficiente, que aproveite melhor as matérias-primas e os recursos naturais do planeta e promova a harmonia entre os aspectos econômico, social e ambiental, o chamado tripé da sustentabilidade, ou triple bottom line.

Em meados da década de 1990, começou a tomar forma o movimento que enxerga a empresa como um poderoso agente social a serviço da comunidade. “A responsabilidade social empresarial, como tudo na vida, é uma questão de escolha e é uma forma de gerir a empresa. No primeiro momento pode representar perdas, até custar mais, mas, no longo prazo, ela é a garantia do sucesso”, explica o empresário Oded Grajew, fundador do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. A instituição, que neste ano completa uma década, procura oferecer conhecimento e ferramentas para sensibilizar as organizações a construir uma sociedade mais justa e sustentável.

A gestão socialmente responsável leva em conta que tudo o que a empresa faz tem impacto na vida das pessoas e da comunidade. Ser sustentável, diz Grajew, é perceber esse impacto e se perguntar se ele melhora ou não a vida das pessoas hoje e a das gerações futuras. E só levar adiante aquelas ações que puderem melhorar a vida dos cidadãos, colocando lado a lado negócios, princípios, valores e ética. Produzir com menos impacto se traduz em pelo menos três enfoques. O primeiro é minimizar o uso de recursos naturais com economia de energia, materiais, água e terra, controlando o ciclo de vida dos produtos desde a matéria-prima até a lata de lixo. O segundo é reduzir as emissões atmosféricas que geram poluição e controlar o descarte de água, de resíduos e substâncias tóxicas. Por fim, aumentar o valor dos produtos e sua durabilidade com serviços como troca, atualização e manutenção, e embutir no preço os custos socioambientais. Nesse modelo sustentável, o consumo consciente e as escolhas diárias da sociedade são armas poderosas. Todo consumo tem impacto na economia, nas relações sociais, na natureza e em cada um de nós. Ao ter consciência de seu papel em ajudar a maximizar os efeitos positivos e minimizar os negativos, o consumidor pode escolher o que comprar em função do compromisso do fabricante com o desenvolvimento socioambiental, preferir materiais recicláveis, além de definir a maneira de usar os produtos e como descartar o que não serve mais.

Na última década, o conceito de responsabilidade socioambiental entrou na agenda de muita gente. Várias organizações incorporaram os princípios de sustentabilidade em suas relações com empregados, clientes, comunidades, fornecedores, governo e meio ambiente.

Para formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, em 2000 a comunidade internacional elaborou a Carta da Terra, um conjunto de princípios que considera a sustentabilidade de forma ampla. O texto defende que é preciso “somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz”. Para alcançar esse propósito, a carta propõe que os povos da Terra declarem sua responsabilidade uns para os outros, com a comunidade da vida e as futuras gerações. “A Carta da Terra define, em profundidade, a visão de um mundo melhor. Ela é um dos documentos mais genuínos, sistêmicos e notáveis que a humanidade já produziu”, define a empresária Chieko Aoki, que está à frente da rede de hotéis e resorts Blue Tree. Presidente do Grupo de Mulheres Líderes Empresariais (Lidem), Chieko fez da Carta da Terra sua bandeira e sua missão como uma das mulheres de negócios mais influentes do Brasil. “Procuramos sensibilizar homens e mulheres líderes para a questão da sustentabilidade, tão coerente com a visão feminina do mundo e do futuro, e cada vez mais presente em nossas vidas e nos nossos negócios”, diz ela.

As mudanças climáticas chegam, nesse contexto, como o primeiro grande desafio global que a humanidade precisa enfrentar em conjunto. Os relatórios elaborados pelos cientistas e especialistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) não deixam dúvidas sobre o aumento da temperatura média do planeta como conseqüência das atividades humanas. E sobre a urgência em agir. Apesar do aumento da consciência – estima-se que anualmente sejam investidos mais de R$ 3 bilhões em responsabilidade social e ambiental no Brasil -, os indicadores de saúde do planeta só pioram. “O que é colocado, de fato, em discussão, não é a função empresarial de gerar lucros econômico-financeiros, é o ‘como’ gerar lucros e ‘para quem’”, resume Giovanni Barontini, sócio da consultoria em sustentabilidade Fábrica Éthica Brasil, que nasceu em Florença e se radicou em São Paulo. O surgimento de iniciativas empresariais que confundem filantropia com marketing social, investimento social privado e responsabilidade social empresarial sugere o caráter incipiente desse momento de transição. A nova forma de fazer negócios se traduz em “um caminho profundo de expansão da consciência individual e coletiva, que quase beira a experiência espiritual”, resume Barontini.

Não há regras prontas para um mundo sustentável. “É um processo de aprendizagem. A resposta está na sociedade, no todo, depende de cada um de nós. Vai ser suficiente, vai dar tempo? Não sabemos”, diz Guilherme Leal, um dos fundadores da empresa de cosméticos Natura e pioneiro do movimento nacional de responsabilidade social empresarial. Leal pratica na Natura os princípios de sustentabilidade, mas reconhece que ainda estamos no início do caminho, vivendo um processo de transformação que deve levar tempo. Assim como a Natura, outras empresas brasileiras apostam no modelo que leva em conta o tripé da sustentatibilidade em suas decisões. Para mostrar que ser socialmente responsável também dá retorno financeiro, há três anos a Bolsa de Valores de São Paulo criou o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), indicador que reúne as ações das companhias mais comprometidas com a responsabilidade socioambiental.

O desenvolvimento sustentável é um caminho que exige equilíbrio e harmonia entre as forças e, sobretudo, depende de cada um assumir para si o papel de protagonista, sabendo que ser sustentável é algo que depende igualmente de indivíduos e organizações agindo em benefício do planeta e de todos que nele vivem. Nada mais é do que colocar em prática a filosofia do pacifista indiano Mahatma Gandhi, para quem o segredo da mudança está em cada um ser o mundo que pretende transformar.


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