Taiguara sem censura

Disputa - O compositor no V Festival Internacional da Canção
Disputa – O compositor no V Festival Internacional da Canção. Foto: Divulgação/Kuarup

Muitos fãs de MPB têm a percepção de que os compositores mais perseguidos pela censura durante o regime militar foram estrelas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento. Claro, ninguém há de contestar que eles foram submetidos a um ostensivo cerceamento de suas liberdades artísticas, mas a mordaça dos censores, recrudescida com o AI-5, silenciou Taiguara como a nenhum outro. Nada menos do que 80 de suas canções e um álbum completo foram vetados.

Nascido em Montevidéu, no Uruguai, ele tinha 4 anos quando foi com a família para o Rio de Janeiro. O pai, Ubirajara, era bandoneonista e a mãe, Olga, cantora. O DNA musical do menino começou a ser explorado aos 8 anos, quando Taiguara ganhou do avô, também músico amador, o primeiro piano. Dois anos depois, ele já compunha as primeiras canções. Aos 15, mudou-se para São Paulo a fim de apostar na carreira artística. Sua primeira vitrine foi o Juão Sebastião Bar, um dos templos da Bossa Nova paulistana.

No bar da região central, Taiguara conheceu a cantora Claudette Soares. Em 1967, ela o convidou para integrar seu novo espetáculo, como violonista, ao lado do Jongo Trio. Dirigido por Miele e Ronaldo Bôscoli, o show ganhou o nome de Primeiro Tempo 5 x 0 e permaneceu em cartaz por quase três anos. Durante a longa temporada do espetáculo, que inseriu de vez Taiguara na cena musical paulistana, ele compôs Hoje, um de seus maiores sucessos. Mesmo não censurada, a canção deixava evidente que, armado de metáforas e mensagens elípticas, Taiguara estava de armas líricas em punho para confrontar a ditadura. Versos como “Trago em meu corpo as marcas de meu tempo/Meu desespero, a vida num momento” ou “Eu não queria a juventude assim perdida/Eu não queria andar morrendo pela vida” não deixam dúvidas.

Prolífico, em 1976 ele chegou ao 10o álbum, intitulado Imyra, Tayra, Ipy. Tamanho era o cerco sobre suas composições, que Taiguara recorreu a um expediente incomum para driblar os agentes da censura: decidiu creditar as letras à sua mulher, Ge Chalar da Silva. A estratégia funcionou. O álbum chegou às lojas, mas durou pouco a alegria de ver na praça um de seus trabalhos mais experimentais (o LP contou com a participação de Hermeto Pascoal, Wagner Tiso, Toninho Horta e Jaques Morelenbaum). Dias depois, percebendo o equívoco, a censura federal ordenou aos lojistas que recolhessem as cópias do primeiro lote.

No ano passado, o álbum foi relançado em CD pela gravadora Kuarup. A segunda edição de Imyra, Tayra, Ipy motivou também, em maio último, uma série de shows com a participação de Wagner, Toninho, Jaques, o trompetista Nivaldo Ornelas, o contrabaixista Novelli e novos talentos da MPB, como a cantora Joana Duah e o compositor Bruno Morais. A volta do LP proibido foi o estopim de uma série de projetos idealizados pela gravadora, que prometem devolver ao artista a dimensão que lhe cabe na história da MPB.

Antes de morrer aos 50 anos, em 1996, em decorrência de um câncer de bexiga, Taiguara havia deixado um álbum inédito. Preservados pela família, os registros caseiros foram submetidos a novos arranjos e Ele Vive (título da primeira canção) acaba de chegar às lojas. No final deste mês de outubro, também sairá do prelo a biografia Os Outubros de Taiguara, da jornalista Janes Rocha. Mas os planos da Kuarup vão além. Em 2015, Taiguara completaria 70 anos e a efeméride será celebrada com a chegada de um documentário, que pretende jogar luz sobre a vida e obra desse artista singular, que nem mesmo a força bruta da ditadura conseguiu calar.  


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