Fora Trump  Manifestantes protestam nas ruas de Nova York contra o candidato republicano à Presidência dos EUA - Foto: Andrew Renneisen/Getty Images
Fora Trump – Manifestantes protestam nas ruas de Nova York contra o candidato republicano à Presidência dos EUA –
Foto: Andrew Renneisen/Getty Images

No dia 23 de janeiro passado, num comício no estado de Iowa, Donald Trump, o concorrente à nomeação republicana para as eleições presidenciais americanas, declarou: “Eu posso atirar em alguém na Quinta Avenida sem perder eleitores”. Estava atestada ali a essência de sua candidatura. Não importa o que ele diga, ou faça, milhões de americanos vão cravar seu nome nas cédulas em novembro próximo. Apelidaram o mafioso John Gotti de “Teflon Don”, um “Don Corleone” em quem nada grudava. Surge agora o “Teflon Donald”. Um ícone anti-establishment que pressiona os botões certos de multidões de revoltados: a classe média que não vê aumento de rendimentos há 20 anos, trabalhadores de pouca educação formal que perderam empregos e não têm chance de arranjar outra ocupação, cidadãos apavorados com os níveis de violência mundial, gente enfezada com invasões de imigrantes alterando a cultura tradicional da nação. Em resumo: vítimas da era da globalização. Um sentimento, ironicamente, que também se globalizou.

Trump não está sozinho no mundo e não é fenômeno puramente americano. Seus similares estão presentes na França, com Marine Le Pen – do partido de direita Frente Nacional; no Reino Unido, com os líderes do movimento Brexit; na Itália, com Beppe Grillo, do movimento Cinco Estrelas; na Geórgia, com Paata Burchuladze, do partido Estado do Povo; e em outros cantões onde há enorme insatisfação com a política tradicional. Especialmente aquela que abraça o chamado modelo econômico neoliberal e arregimenta hostes tanto na direita quanto na esquerda.

Pegue-se o exemplo dos eleitores do senador Bernie Sanders (leia mais sobre ele na pág. 62), nas primárias democratas. Grande parte deles – algo calculado entre 10% e 22% – categoricamente se nega a votar em Hillary Clinton, a nomeada do partido, que alçou essa condição com milhões de votos a mais do que seu rival. Na convenção democrata na Filadélfia, entre 25 e 28 de julho, claques de “sandernistas” vaiaram, esbravejaram e usaram vários recursos para interromper a festa e mostrar seu descontentamento. Vaiaram até mesmo o timoneiro da sua proclamada “revolução socialista”, o velho Sanders, quando este, num comício paralelo, pediu apoio à candidatura de Hillary, a quem deu, finalmente, seu suporte.

O Partido Democrata conseguiu abafar muitos desses protestos, fez uma das melhores convenções de sua história, mas nem assim estabeleceu vantagem substancial nessa corrida. A festa democrata, na verdade, se desdobrou para mostrar otimismo. A ponto de ter optado por um ufanismo esperançoso que era marca registrada dos republicanos. Roubaram o script de Ronald Reagan para contrastar com o clima distópico da convenção que ungiu Donald Trump, em Cleveland entre os dias 18 e 21 de julho. O Google revelou que uma das palavras mais pesquisadas em seu servidor depois disso fora “distopia”, a que tanto os analistas se referiram. “Teflon Donald” usou o baixo-astral para se elevar. “Somente eu conseguirei consertar a América”, disse ao aceitar a coroa.

Em contraste, o presidente Barack Obama, discursando no dia 27, fez o maior – senão o historicamente único – apoio à candidata de seu partido. Os presidentes em exercício costumam ser avaros nas recomendações de seus substitutos eventuais. Reagan falou apenas duas vezes no nome de George Bush, o velho, na convenção de 1988. Já George W. Bush, o moço, quase não disse nada sobre Mitt Romney em 2012, ou John McCain, em 2008. Perguntado sobre a contribuição do vice-presidente e candidato republicano em 1960, Richard Nixon, a seu governo, o então titular do cargo, Dwight Eisenhower, disse: “Me dê uns dois dias para eu responder”. Mas Obama rasgou elogios a Hillary e, para pasmo da plateia, disse que ela é, “de longe”, a pessoa mais preparada para a presidência: “Mais que Bill (Clinton), mais que eu”, sentenciou.

O discurso de Obama agradou a gregos e troianos – excetuando uns espartanos, é claro – e foi o melhor da convenção, ganhando por pouco daquele feito anteriormente por sua mulher, a primeira-dama Michelle Obama. Mas o que importa é: ninguém consegue negar que Hillary é exatamente do time odiado pelas massas: o establishment. Dificilmente se achará alguém mais comprometido com o sistema do que ela, que por mais de um quarto de século trafega nos corredores do poder. Foi durante o governo de seu marido, Bill, que se sacramentou o acordo de livre comércio Nafta (com o México e Canadá) e se formalizou o status de “parceiro especial” com a China (abrindo as portas para a exportação de empregos para aquele país). E Bill foi um dos maiores defensores do chamado “Consenso de Washington” – nome pomposo para o neoliberalismo econômico. É também verdade que tudo isso teve embrião durante o governo Reagan e foi costurado na administração Bush, o velho. Porém, o jamegão nos acordos globalizantes é o de Clinton.

Assim, é de se estranhar que Hillary, pós-convenção republicana, tenha empatado com Trump no nível de rejeição? Ela foi lançada ao patamar de 63% de repúdio. Claro que depois da festa otimista dos democratas a candidata experimentou um bom empurrão nas pesquisas nacionais: algo entre 4% e 6%, dependendo do instituto verificador. Mas isso passa. Ou melhor: historicamente esses ganhos ficam para trás.

Os melhores analistas, como Nate Silver, do site FiveThirtyEight, guru das estatísticas, recomendam que as atenções aos números das pesquisas comecem mesmo depois do Labor Day (o Dia do Trabalho, nos Estados Unidos, celebrado neste ano em 5 de setembro). De agora até lá, os americanos estarão mais preocupados com as férias de verão. Somente depois vão prestar atenção maior na batalha pela Casa Branca. E, daqui até as eleições em 8 de novembro, muita água rolará debaixo da ponte: novas mortes de negros por policiais; mais massacres de agentes da lei, como os ocorridos em Dallas e Luisiana, em julho; atentados do Estado Islâmico; indicadores econômicos bons ou maus. E caso, finalmente, a camada de Teflon se desgaste dos costados de Trump, nessa eventualidade, Hillary será eleita e tanto os “trumpetes” quanto os “sandernistas” vão lamentar que “mudaram-se as galinhas, mas as raposas continuam as mesmas”. Resta saber: até quando?


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