Definir e debater o conceito de sustentabilidade, conjugando-o com o de comunicação. Esse foi o objetivo central que reuniu em Brasília, nos dias 11 e 12 de junho, dois ganhadores do Prêmio Nobel da Paz – Muhammad Yunus, em 2006, e Rajenda Pachauri, em 2007 -, com o ex-vice presidente dos Estados Unidos, Al Gore; o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos; a presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Coelho, ambientalistas como a jornalista Miriam Duailibi, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, o empreendedor social Oded Grajew, do Instituto Ethos, altos executivos de empresas como Petrobras, Coca-Cola, Vale, Funcef, Tetra Pak, e o criador do Banco Palmas; João Joaquim de Melo, entre outros. O resultado do I Fórum Internacional de Comunicação e Sustentabilidade, promovido pela Atitude Brasil, com apoio de Brasileiros e quase duas dezenas de empresas e instituições de todos os setores do País, foi surpreendente. Sustentabilidade (e suas variações, como desenvolvimento sustentável) não se baseia apenas nos conceitos macro de mudança dos padrões de consumo do mundo, na proteção ao meio ambiente, na adoção de meios de produção não poluidores, na redução da miséria e nos maiores investimentos governamentais e do setor privado. Tudo dentro do princípio do triple bottom line, o tripé da sustentabilidade, que prevê a harmonia entre os aspectos econômico, social e ambiental.
A sustentabilidade passa também por iniciativas como levar luz elétrica a 1 bilhão de pessoas no mundo – localizadas, como se poderia imaginar, nas áreas mais pobres e sem recursos de muitos países. O projeto é capitaneado por Rajenda Pachauri, o economista indiano que preside o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Em sua apresentação, Pachauri reafirmou toda a preocupação com o aquecimento global, que poderá causar a elevação do nível dos oceanos em pouco mais de meio metro até o final do século. Mas destacou que iniciativas aparentemente simples podem contribuir muito para mudar o quadro, junto com a necessidade de um novo rumo para o desenvolvimento nos países ricos. O projeto de Pachauri, já em execução em áreas muito pobres da Índia, prevê a instalação de painéis solares em aldeias e áreas isoladas, onde os moradores carregariam seus lampiões elétricos. Para quem está acostumado a apertar um botão e ter luz, parece pouco. Mas, em regiões onde a luz segue sendo obtida por fogueiras ou lampiões à querosene, a chegada da luz elétrica, produzida por fonte limpa, é quase um milagre. A proposta de Pachauri encontrou apoio em Oded Grajew, do Instituto Ethos, e em Oscar Motomura, da Amana-Key (um centro de excelência em gestão), que consideram o sistema viável para regiões remotas e isoladas do Brasil. A sustentabilidade passa, cada vez mais, pela reciclagem. Jacques Corrêa, da Coca-Cola, que participou do primeiro dia de debates, anunciou que a empresa está instalando equipamentos para reciclagem de garrafas de plástico PET que serão transformadas em PET de qualidade, para a fabricação de novas embalagens. “Pretendemos criar uma cultura de reciclagem das garrafas, como já ocorre com as latas”, afirmou.
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Outra solução simples para as necessidades básicas de populações carentes está sendo implantada em Bangladesh, exatamente por Yunus. Depois de revolucionar o acesso ao crédito para pessoas extremamente pobres, com o famoso Grameen Bank – o banco dos pobres, que até hoje já beneficiou 7,5 milhões de pessoas com recursos superiores a US$ 6 bilhões, sendo 97% mulheres que de outra forma nunca teriam acesso a crédito -, Yunus está implantando em Bangladesh, especialmente nas áreas mais pobres no delta do Ganges e em outros rios que cortam o país, uma rede de equipamentos de energia solar nas casas humildes dos milhões de moradores da região. Como boa parte do território de Bangladesh fica abaixo do nível do mar, sofrendo problemas constantes de inundação, o método tradicional de fornecer energia elétrica – postes, redes aéreas etc. – é inviável. Yunus também contou que, hoje, a maior empresa de celulares de Bangladesh é ligada ao Grameen Bank, operando dentro dos mesmos princípios de gestão e atendimento aos mais pobres. Sustentabilidade, dentro da linha de ação de Muhammad Yunus, também é a proposta do Banco Palmas, um banco comunitário criado por João Joaquim de Melo no Conjunto Palmeiras, uma das maiores favelas de Fortaleza, no Ceará. Joaquim mostrou que seu banco – que opera com uma moeda própria (palma), dentro da área da favela, com a qual são feitas todas as negociações entre os consumidores e as microempresas locais – já serve de modelo para comunidades semelhantes no País. Além disso, o banco criou o Palmacard, que financia as compras de todos em dez vezes sem juros, desde que realizadas em estabelecimentos da própria favela. E mesmo um banco grande como a Caixa Econômica Federal também tem se adaptado aos novos tempos da sustentabilidade. “Seis milhões de novos correntistas foram incorporados à Caixa, dentro do projeto de ampliar a presença das classes menos favorecidas no sistema bancário”, destacou Maria Fernanda, a presidente da CEF. Ela disse ainda que a Caixa, cada vez mais, procura fazer uma avaliação dos impactos econômicos, sociais e ambientais de todos os projetos que pode financiar. “Os três aspectos têm de ser atendidos”, garantiu.
Mas a sustentabilidade tem aspectos mais sutis e profundos, como mostrou o ministro Paulo Vannuchi. “Temos de conjugar fraternidade com solidariedade, tendo sempre em mente a diversidade humana. A alteridade é um elemento essencial na construção dessa igualdade, no desenvolvimento de uma cultura de paz”, afirmou. Na mesma linha, em uma tarde onde a paz e o fim da violência foram destacados como fatores fundamentais para a sustentabilidade, o diretor do Sesc em São Paulo, Danilo Miranda, lembrou que o respeito aos direitos humanos é um dos fundamentos da paz. Já a budista Monja Coen, elevando ainda mais o astral da manhã do segundo dia de debates, deu uma receita simples para controlar as chamadas tensões da vida moderna: “Diante de uma situação de estresse, de conflito potencial, respire fundo, relaxe, e só então tome uma atitude”. De qualquer modo, o alerta sobre a necessidade de mudança no modelo de desenvolvimento do Brasil e do mundo foi reforçado pelo antropólogo carioca Eduardo Viveiros de Castro, do Instituto Socioambiental (ISA). “Sempre dizem que o Brasil é o país do futuro. Mas o que temos de decidir é de que futuro o Brasil é o país. Já desmatamos metade do País. Vamos agora desmatar a outra metade?”, questionou. Viveiros de Castro afirmou ainda que “ou o desenvolvimento é sustentável ou não é desenvolvimento”. Dentro da linha de pequenas atitudes que podem dar grandes resultados, a ambientalista Miriam Duailibi criticou o uso de chuveiros elétricos, uma invenção brasileira que é responsável por um consumo exagerado de energia. “O que o País consome com chuveiros elétricos equivale a toda a energia que as três hidrelétricas previstas para ser construídas na Amazônia deverão gerar. Por que não se substituem esses chuveiros pelos de energia solar?” Talvez nesse somatório entre princípios éticos e morais, a preocupação do mundo com o destino do planeta – aquecimento global, uso excessivo dos recursos naturais, desenvolvimento predatório – e soluções simples, mas criativas e, especialmente, não poluentes, junto com o maior preparo dos meios de comunicação para saber mostrar ao mundo essa necessidade de mudança, esteja uma nova definição de sustentabilidade.
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