Com seu CD Memórias Luso/Africanas, o produtor, programador, músico e compositor Gui Amabis, ou Amabis como assinou, ajusta contas com seu passado. Filho de pai descendente de africanos e mãe de origem portuguesa, Gui já se entrega na faixa de abertura, Dois Inimigos (Eu nasci trinta e quatro anos faz/e a febre sempre está nos postais./E pensar em meus pais e meus avós/que sou dois inimigos em um só). Dono de uma sonoridade elegante, Gui fez em 2011, cercado do que há de mais moderno na música brasileira, um disco que evoca Edu Lobo em sua melhor fase. Alguém se lembra de Limite das Águas (1976), por exemplo? Um exercício de introspecção sem ser chato. E Gui nem precisou recorrer às cordas ou a instrumentos folclóricos. Céu, Tulipa, Criolo, Lucas Santtana, Dengue (Nação Zumbi), Rodrigo Campos e Siba são alguns nomes que participam do disco.
O nome é familiar, não? Segundo Gui, o sobrenome Amabis, algo como amável em latim, foi criado pelo avô paterno no Sudão para se livrar do costume de se batizar os escravos com o nome do dono – tipo “de” fulano.
Muita gente estudou e estuda biologia com os livros do doutor. José Mariano Amabis, professor da USP, pai de Gui. Ou curtiu o som do Instituto, coletivo mutante e selo independente que funde hip hop, MPB e música eletrônica, formado por Daniel Ganjaman, Tejo Damasceno e Rica Amabis, irmão mais velho de Gui. Rica estudou engenharia de som em Nova York e tem um currículo extenso – produziu, entre outros, o pernambucano Otto. E nessas, você já ouviu Gui sem perceber. Seguindo os passos de Rica, Gui começou a trabalhar como técnico com Antonio Pinto, responsável por trilhas de vários blockbusters e sócio do badalado produtor Beto Villares. Logo começou a produzir com a dupla e seu nome consta de créditos de filmes, como Colateral, com Tom Cruise; Senhor das Armas, com Nicolas Cage; e A Estranha Perfeita, com Bruce Willis. Recentemente, assinou a trilha de Bruna Surfistinha, além de séries de TV como Alice, Cidade dos Homens e Filhos do Carnaval 2. Produziu o segundo disco da Céu e trabalha no terceiro, a ser lançado este ano.
Formado por Gui, Rica, Céu, e Dengue e Pupillo (do Nação Zumbi), o Sonantes é um projeto-CD lançado em 2007 nos Estados Unidos e programado para sair aqui em 2012. Entre as três músicas criadas por Gui, Toque de Coito é, para ele, o germe de Memórias Luso/Africanas. A canção, que acabou não entrando no presente CD, deu origem a outras. A primeira delas é Swell, uma das várias que já fala em mar.
Como o jornalista Ramiro Zwetsch escreveu para o disco, o mar de Gui tem um balanço que não é o balanço do barquinho da bossa nova, mas das caravelas que trouxeram amontoados tanto os escravos no começo da nossa história quanto os imigrantes em busca de uma vida melhor. E foi para afastar tanta melancolia que o músico criou temas mais leves que deu para Tulipa cantar. Sal e Amor e Ao Mar lembram de que, em meio ao sofrimento, havia espaço para festas e celebração familiar.
Acostumado a compor para imagens, Gui criou vários temas instrumentais que já estavam em fase de finalização quando Criolo, que havia acabado de conhecer e convidado para cantar no disco, após contar a filosofia por trás do mesmo, ficou tocado e resolveu letrar dois deles. Surgiram Orquídea Ruiva e Para Mulatu. Algo semelhante ocorreu com a participação de Lucas Santtana, que escreveu a letra de O Deus que Devasta mas Também Cura, para um tema de Gui e Dengue.
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