Terremoto em Itaipu

Fotos: Max G. Pinto
Lendas e verdades
O jornalista Tão Gomes Pinto e o livro Itaipu: narrativa fiel e leve sobre assunto árido e controverso

Depois de ler Itaipu, a compacta e agradável narrativa de Tão Gomes Pinto que chegou às livrarias em março (Editora Amarylis, 180 págs.), até o presidente do Paraguai, o ex-bispo Fernando Lugo, vai se convencer que é mais negócio para ele e para seu país esperar 2023, quando o Tratado de Itaipu fará 50 anos e a dívida de 26,9 bilhões de dólares, assumida pelo Tesouro brasileiro, estará totalmente quitada, em vez de insistir em revisá-lo agora.

“Uma revisão do Tratado de Itaipu só poderia ser pensada em casos extremos”, escreve Tão. “Terremotos, maremotos ou uma seca avassaladora e prolongada. Na realidade, a revisão do Tratado de Itaipu poderia ser vista como um tiro no pé. Ele tem validade de 50 anos. No período de 1973 (assinatura do tratado) a 1991, o empreendimento viveu de empréstimos. Para serem pagos em 50 anos, graças à garantia de que a energia tinha um comprador cativo, o Brasil.”

‘Donde está mi amigo Andrade?’
O Paraguai não perde por esperar, profetiza o autor.

“Dias antes da posse, Lugo circulara pela influente e poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a tão badalada Fiesp. E ouvira ali, de alguns dos representantes expressivos do PIB brasileiro, que o Paraguai será inevitavelmente o destino de muitos investidores brasileiros, por ser um dos poucos países do planeta a possuir energia barata, limpa e abundante.”

Graças à intimidade com as pretinhas, Tão alivia um assunto que tem tudo para ser árido inserindo agradáveis oásis que chama de “lendas”:

“Correm lendas sobre Itaipu. Como a que diz que Stroessner, percorrendo uma lista de concorrentes a uma licitação, teria observado: ‘Donde está mi amigo Andrade?’ Referia-se à construtora Andrade Gutierrez. Outros mencionam a mesma indagação mudando o nome do amigo de Stroessner. Ora Camargo, ora Mendes.”

Brasileiros e paraguaios, ao menos os peões, conviveram no canteiro de obras em perfeita harmonia:
“Era uma relação carinhosa. No fim da história, casaram-se muitos brasileiros com paraguaias e vice-versa.”

A ponta do crachá
Apesar disso, namoros entre funcionários eram não só proibidos, como punidos exemplarmente, em rituais de nítida conotação militar. (Afinal, ambos os países eram governados por ditaduras militares.)

“Um jovem engenheiro apaixonou-se por uma das bibliotecárias vindas do Rio de Janeiro. (…) A paixão foi correspondida. Foram vistos pelo canteiro, algumas vezes de mãos dadas. O assunto chegou à diretoria, que decidiu pela demissão do rapaz. Ele conta que chegou a chorar quando o encarregado de pessoal simplesmente pegou uma tesoura e cortou a ponta do seu crachá. Era o ritual que o desligava de Itaipu.”

Na noite em que lançou o livro, na Cultura, em São Paulo, Tão parecia um chinês, principalmente devido à barba que deixou crescer, talvez em homenagem ao empreiteiro Sebastião Camargo, que o autor apresenta como “China”.

O inventor da repressão
Dos inúmeros papos que rolaram na livraria, talvez o mais instigante tenha sido o diálogo entre dois conhecidos, um brasileiro e um norte-americano.

O brasileiro contava que, durante os anos de chumbo salvou da prisão alguns amigos jornalistas, acusados de esquerdistas, por um motivo familiar:

“Meu tio-avô foi o inventor da repressão no Brasil!”

“Como ele se chamava?” indagou o norte-americano.

“General Bizarria Mamede. Ele foi a Brasília e seu ajudante-de-ordens fundou o DOI-Codi.”

Itaipu foi a maior obra do regime militar brasileiro. E o DOI-Codi, a mais lamentável.

O HOMEM DA CAPA
Autor do logotipo da Brasileiros, Hélio de Almeida, ébest sellerem capas

A bela capa de Itaipu é a mais recente das mais de 200 que Hélio de Almeida criou para livros. A parceria entre ele e Tão é profunda e longeva. Nos idos de 1977, participavam da grande mesa de jacarandá em torno da qual, em oito ou nove confortáveis cadeiras, reunia-se toda a redação da IstoÉ.
Pense em alguma capa instigante. Pode ver, é dele. A do Vastas emoções e pensamentos imperfeitos, letras em cima do papel amassado, inesquecível. E todas as outras do Rubem Fonseca também. Cada uma delas num estilo próprio.
Estorvo, de Chico Buarque. Aquela capa com sobrecapa, em três tonalidades. Uma legítima inovação. As obras completas de Jô Soares, capas do Hélio. O Assassinato na Academia Brasileira de Letras, O Xangô de Baker Street, O homem que matou Getúlio Vargas. Para Saramago, ele fez Ensaio sobre a cegueira. É best sellerque não acaba mais. Chega de Saudade, Carmen, Estrela Solitária, todos de Ruy Castro.
Chatô, A Ilha, Olga, Corações Sujos, de Fernando Moraes. Furacão Elis, por Regina Echeverria, Estação Carandiru, de Drauzio Varella.
Não existe ranking para capistas, mas, com certeza, um de seus livros sempre está entre os dez mais vendidos de

qualquer lista de jornais e revistas. A imprensa é o berço natal do Hélio.
O logotipo da Brasileiros– quem vocês acham que fez? E os da IstoÉ, da Exame, do Jornal da República? Quem conseguiu esquecer as suas antológicas capas de Isto É dos anos 1970 e 1980? “Violência policial”, “O Brasil mudou”, “Adeus Elis”.
Ele é um artista sem preconceitos. Usa lápis, pincel, colagem, foto, o que for – com a mesma simplicidade. Em poucos traços, com elegância e bom humor traduz o conteúdo do livro, da principal matéria, do cartaz da peça. A língua que ele fala é a língua do traço.
Sua obra completa, incluindo desenhos, esculturas, caixas e luzes, além, é claro, de todas as capas de livros e de revistas, está exposta no álbum Hélio de Almeida – artista gráfico(Ipsis Gráfica e Editora, 334 págs.).


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