A simples notícia de que Nelson Pereira dos Santos fez um filme sobre Tom Jobim já provoca ansiedade. Afinal, é o encontro entre dois expoentes de nossa modernidade, ícones do Cinema Novo e da Bossa Nova, movimentos que, ao lado da construção de Brasília e a aparição de Pelé, modificaram para sempre o olhar sobre este País, até então conhecido como a “Terra do Zé Carioca”. Para não sobrar nem pau nem pedra, Nelson realizou logo dois filmes no fim do caminho. O primeiro deles, já em cartaz, é A Música Segundo Tom Jobim, um desfile de suas canções mais famosas, e vem aí, com lançamento previsto para este semestre, A Luz do Tom, baseado no livro Antonio Carlos Jobim: Um Homem Iluminado, escrito por Helena Jobim, irmã do maestro.
Como o segundo filme terá depoimentos e Jobim era reconhecido como um grande papo, autor de comentários definitivos (“A melhor saída para o músico brasileiro continua sendo o Aeroporto do Galeão”), a continuação pode parecer mais atraente. Pode até ser. Mas em A Música Segundo Tom Jobim, a catarse é garantida.
Dora Jobim, que além de neta de Tom é sócia da Samba Filmes, atuou como codiretora do primeiro longa. Ao lado do pesquisador Antonio Venâncio e auxiliada pela tia Miúcha, que atuou como roteirista-conselheira, Dora escarafunchou o acervo familiar de filmes sobre o avô, acervos alheios e atravessou madrugadas navegando na internet atrás de imagens maravilhosas, alinhavadas pela edição de Luelane Correa. O músico Paulo Jobim, pai de Dora e diretor musical do filme, deu o parecer final sobre a qualidade acústico-musical dos vídeos e a magia se fez.
A história musical de Tom Jobim é contada em imagens atemporais. Assim, Gal Costa vem antes de Elizeth Cardoso e Adriana Calcanhoto interpreta Ela é Carioca, composta dois anos antes de ela nascer. Por uma triste coincidência, João Gilberto não aparece (aliás, surge rapidamente tocando violão para Elizeth, em trecho do filme Pista de Grama, de 1958), pois suas imagens estão sendo utilizadas para a produção de um filme sobre ele próprio. Mas o desfile é avassalador. Do dueto de Elis e Tom em Águas de Março, à precisão cirúrgica do piano de Oscar Peterson em Wave ou a dramaticidade de Judy Garland em Insensatez, o filme é só surpresas.
Nelson não utilizou palavras nem mesmo para identificar os artistas (o que ocorre, em detalhes e pausadamente, nos letreiros finais). Nelson preferiu mergulhar o público na emoção pura da composição e da interpretação, achando que as grifes poderiam atrapalhar. Bem-humorado, na entrevista coletiva, ele disse que a falta de letreiros é uma boa chance para os metidos exibirem seu conhecimento para as donzelas: “Ah, este é o Jean Sablon, aquele é o Sammy Davis Jr.!” A parceria de Tom com o letrista Newton Mendonça, que morreu precocemente aos 33 anos, ou as inúmeras interpretações de Garota de Ipanema, entre outros momentos, criam clareiras iluminadas no filme. Maravilhoso e ponto.
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