Familiares de vítimas de acidente aéreo podem ter sintomas de estresse pós-traumático. Foto: Pixabay
O luto que toma conta do País desde a madrugada da terça-feira 29, após a queda do vôo que levava à Colômbia a delegação do time de futebol Chapecoense (o Chape) e jornalistas, atingiu de modo ainda mais intenso as pessoas que sobreviveram a tragédias ou perderam parentes em situações semelhantes. Psicólogos afirmam que esses grupos ficam mais vulneráveis e podem reviver sentimentos relacionados às experiências. É o que está acontecendo desde que o acidente foi anunciado com a psicóloga Eduarda Sanchez, 52 anos, de Recife, Pernambuco. “Estou com dificuldade para me concentrar e para trabalhar e uma sensação de aperto no peito, vontade de chorar”, descreve. O nome é fictício e foi escolhido pela entrevistada, que pediu anonimato para poupar parentes mais idosos do resgate dessas memórias. Ela perdeu um primo no acidente com o Airbus da TAM, que matou 199 pessoas em 2007. “Todo acidente de avião me faz reviver o que aconteceu conosco. As lembranças vão e voltam, junto com sentimentos de revolta. Meu primo, que tem um irmão gêmeo, tinha 27 anos”, diz.
Por dois anos, Eduarda e familiares se submeteram a sessões quinzenais de terapia para tratar os sintomas do transtorno do estresse pós-traumático (Tept), uma condição que pode afetar pessoas expostas a situações de violência urbana, agressões familiares, mortes e tragédias naturais ou acidentes. Ele pertence à categoria dos distúrbios de ansiedade e pode trazer consigo um conjunto de sensações físicas, emocionais e psíquicas.
Estatísticas sugerem que entre 10% e 25% das pessoas que passam por situações extremas podem apresentar sintomas de estresse pós-traumático. Indivíduos com tendência à depressão e ansiedade estão estão mais predispostas a essas alterações. “A pessoa pode ter sido exposta diretamente, ser testemunha ou estar associada a quem sofreu o problema. Os sintomas podem se manifestar logo depois dos fatos ou meses e até mesmo anos depois”, explica a psicóloga Ester Affini, especializada em luto e doutora em psicoterapia familiar. Eduarda, por exemplo, sentia-se como se a vida tivesse parado.
Alguns sintomas podem ser a re-experiência traumática, na forma de flashback, pensamentos recorrentes e sonhos. Essa lembrança pode desencadear sensações de desconforto como taquicardia, sudorese, tonturas, dor de cabeça e irritabilidade, entre outras. E há ainda manifestações como evitar encontros e atividades que lembrem a situação, ter desejo constante de ficar só, dificuldade para dormir ou passar a comer e trabalhar descontroladamente.
A psicóloga Ester alerta que é preciso dar a devida atenção às possíveis manifestações do estresse pós-traumático, ainda que a tendência seja neglicenciá-los e achar que a crise vai passar com o tempo. Segundo a especialista, “sem tratamento, o transtorno do estresse pós-traumático pode causar muito sofrimento e criar condições para que a pessoa apresente outras doenças, incluindo a depressão”, diz.
A situação merece cuidado especial quando envolve crianças pequenas. “Como não tem condição de elaborar o luto, elas tendem a somatizar essa sobrecarga emocional emocional na forma de alergias e febre”, explica a especialista. “É importante que possam perceber o que está acontecendo e participem do luto familiar. Excluí-las completamente pode aumentar a dificuldade de lidar com o problema”, orienta a psicóloga.
Terapia para lidar com a dor
Participar de sessões individuais ou em grupo (existem linhas terapêuticas diferentes, como a sistêmica-familiar e a cognitivo-comportamental) e uso de medicamentos ansiolíticos, desde que bem indicados, são as opções mais atuais lidar com as manifestações do estresse pós-traumático. Em geral, a terapia começa alguns meses depois dos acidentes. “Nos primeiros dias após a tragédia, as famílias ainda estão em choque. Nessa fase, os psicólogos podem dar suporte emocional e ir conhecendo as famílias”, diz Ester, que atendeu familiares de vítimas de acidentes aéreos e trabalhou com pessoas que sofreram catástrofes como o incêndio que destruiu a boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, matando 240 pessoas.
Também não há prazo para a pessoa assimilar o impacto. “Cada um tem seu tempo e reage da mesma forma que lida com as outras dificuldades da vida – alguns enfrentam, outros têm maior dificuldade e há quem preferira varrer para baixo do tapete como se nada tivesse acontecido.”
Leia também a bela reportagem de Débora Rubin sobre o luto “A dor da perda nunca passa, mas é possível encontrar um lugar no coração para ela”. A matéria também menciona livro da autora sobre luto para crianças.
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