Uma infância bucólica no bairro carioca da Tijuca e numa fazenda da família em Rio das Flores, no interior fluminense. Os estudos, semi-interno, no tradicionalíssimo Colégio de São Bento. O primeiro emprego, ainda um adolescente, em 1963, no então portentoso Jornal do Brasil. O seu primeiro cargo de comando, em 1972, no Jornal dos Sports. Passagens pelo Correio da Manhã, pela Última Hora, pelo Panorama de Londrina, pela Folha de São Paulo, pela IstoÉ e por quase todas as principais emissoras da TV aberta do País. E, desde 1994, diretor de jornalismo dos canais ESPN. Valerá essa mera síntese como uma biografia de José Trajano Reis Quinhões – na mídia, hoje, apenas o Zé Trajano? Absolutamente não. Na realidade, o trabalho de desvendá-lo, em sua integralidade, exigiria o empenho de um enciclopedista.
Nascido em 21 de outubro de 1946, filho de Trajano e Nilza, o pai um professor de história e geografia, a mãe uma dona de casa que ainda encontrava tempo para ministrar aulas de artes aplicadas. Em seus quase 63 anos de idade, o Zé jamais fugiu de uma briga correta e justa. Mesmo sem ter cursado uma universidade, adquiriu conhecimentos capazes de transformá-lo em um profissional eficientíssimo em todas as empreitadas que defendeu. E a expressão “defendeu” caracteriza admiravelmente sua conduta. Em todas as suas tarefas, um aguerrido driblador do conformismo e da burocracia, sempre se empenhou com o máximo de veemência, de dedicação. E o que realiza, presentemente, nos canais ESPN, coroa muito bem a sua existência.
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“Paixão, o Trajano impressiona e contagia pela paixão”, revela Germán Von Hartenstein, o diretor-geral dos canais, a quem o Zé especificamente se reporta. “É uma usina de ideias”, explica Helvídio Mattos, colega e amigo de longa data. “Não para de pensar em coisas novas”, observa João Simões, da gerência de produção. “Uma motoniveladora eternamente em movimento”, diz Kitty Balieiro, da chefia de reportagem. “Simplesmente, um gênio”, arremata Denis Gavazzi, um dos integrantes do seu pelotão de choque nas criações.
Essas facetas, que José Trajano desenvolveu espontaneamente, advêm de circunstâncias bastante singulares. Seu pai era udenista, fã de Carlos Lacerda (1914-1977), um editorialista selvagem, um inimigo figadal de Getúlio Vargas (1882-1954) e de Jango Goulart (1919-1976), nos idos em que a ideia da democracia tentava, claudicantemente, se fixar no Brasil – e que o golpe militar de 1964 soterrou. Então, o Zé não se alinhava a nenhum partido político. Mas, em seu íntimo, já formulava a ideologia que marcaria a sua vida. Uma ideologia alicerçada na indignação. Comovido, ele se recorda de um fato crucial de 1964, uma marcha, no centro do Rio, de católicos supostos, “por Deus e pela família e pela liberdade”. Eram milhares e milhares de pessoas e ele, na contramão, com um amigo atravessou a turba: “Ia pro meu trabalho”.
Aquela investida, involuntária, seguramente ajudou a fermentar o que se tornaria a sua consciência de cidadão. “Eu não conhecia o Jango, o Leonel Brizola, o Darcy Ribeiro”, ele relembra. “Mas acreditava que poderiam fazer do Brasil uma nação melhor.” Bateu-lhe a faísca da indignação. Como a força das armas e dos coturnos ousava mudar a trajetória do País? Pois foi com a indignação nas entranhas que o Zé costurou a sua carreira na mídia.
Mesmo especializado nos esportes (fora jogador de basquete e de futsal no seu América da Tijuca), no desenrolar da sua carreira ele somou pedidos e pedidos de demissão por razões de princípio, solidariedade a quem acreditava perseguido. E, paulatinamente, transferiu a ideologia a seu cotidiano. Virou um buscador da perfeição. Augusto Alves, que foi produtor do Cartão Verde na TV Cultura, de quem o Zé era comentarista convidado, recorda a sua irritação com as falhas bobocas da montagem do programa: “Ele passava por cima, até, de quem estava no comando”. Atualmente, em comando de fato, nos canais ESPN, continua a agir, digamos, como um guerrilheiro insolente e incansável. Os seus canais duelam contra a máquina da Rede Globo e das suas subsidiárias SporTV. Coberturas de Copa do Mundo e de Jogos Olímpicos em que Globo & Cia. utilizam centenas de profissionais, 10, 15 vezes mais do que os canais ESPN. E Trajano não se abala. Recorre à imaginação.
“Tá sempre pilhado”, determina Marcelo Gomes, repórter e editor, com um punhado de prêmios em seu cartel: “Nos Jogos Olímpicos, nos primeiros dias, fica maluco e distribui broncas por besteiras ridículas, embora saiba que, no fim das contas, cumpriremos a missão. Então, quando o evento acaba, ele reúne o time todo para uma sessão de elogios”. Diz José Roberto Malia, um seu ex-subordinado na Folha de São Paulo da década de 1980: “O Zé parece que não está olhando, mas enxerga tudo”. Complementa Ariston Maia Jr., da produção da ESPN: “Não deixa de pensar no trabalho até numa mesa de boteco”. Arremata Paulo Vinícius Coelho, o PVC, o seu comentarista predileto: “Não basta ser o chefe, só mandar nas pessoas. É fundamental proteger a equipe. E isso o José Trajano faz como ninguém”. Na verdade, melhor ainda, José Trajano defende até mesmo quem não mais integra o seu elenco. Quando Mílton Leite, narrador que trocou a ESPN pela SporTV, foi ameaçado por torcedores imbecis em um estádio, Trajano usou o seu programa Linha de Passe para se solidarizar.
No capítulo enorme das suas fartas idealizações, se destaca o Pontapé Inicial, programa que divide com o apresentador Dudu Monsanto, mistura de esporte e cultura em geral, de segunda a sexta, entre 10 horas e 12 horas. Recebe 300, 400 mensagens de seus “fantasmas”, forma bem-humorada com que apelidou os seus espectadores, depois de os institutos medidores de audiência grotescamente registrarem que ninguém via o Pontapé. Claro, por causa do seu temperamento tempestuoso (na realidade, um mero fruto da sua luta pela perfeição, da sua indignação perante as tolices e puxa-saquismos alheios), o Zé congregou óbvios desafetos de plantão, que o acusam de mal-educado, até de grosso. Mas, cereja no seu bolo, sobre ele desfecha um certo João Castelo Branco, correspondente da ESPN na Europa: “Tem opinião sobre tudo, sabe falar sobre qualquer assunto, e é muito engraçado. Batalha por um Brasil melhor. Um inspirador, um motivador. É o meu pai – e o meu ídolo”.
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