Durante todo o mês de junho, a Brasileiros publicará em seu portal a série “Direito de Escolha”, com textos sobre autismo e psicanálise. No primeiro artigo, falamos sobre o Centro de Referência da Infância e Adolescência e sobre o Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública. No segundo texto, abaixo, o assunto é o Transtorno de Espectro Autista (TEA). A série se encerra em julho, com uma reportagem na edição 72 da Brasileiros.
O termo Transtorno do Espectro Autista foi lançado na recém-publicada edição do DSM-V, o Manual de Classificação de Doenças Mentais da Associação Americana de Psiquiatria que serve de referência mundial para estabeldiagnósticos. Outra mudança: o DSM-V desconsidera as categorias Autismo, síndrome de Asperger, Transtorno Desintegrativo e Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação. Todos são designados como TEA e as avaliações priorizam a intensidade dos sintomas, que podem ser leves, moderados ou severos. O Manual está causando polêmica e muitos consideram simplistas seus critérios de elaboração. Porém, o rótulo autista, além de politicamente incorreto, torna-se ultrapassado, pois todos os aspectos desse tipo de deficiência intelectual estão ganhando contornos mais amplos, ajudando a vencer o preconceito e o estigma em torno da doença. A Lei nº 12.764 da Constituição Brasileira, do final de 2012, já considerou essa atualização e instituiu uma Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que favorece cerca de 2 milhões de pessoas.
Organização das Nações Unidas estima que existem 70 milhões de pessoas com TEA em todo o mundo e, pode apostar, não existem dois pacientes exatamente iguais. Embora haja parâmetros exatos de avaliação do desenvolvimento da criança – não falar uma frase inteira aos 2 anos de idade, não apontar objetos e pessoas, não atender ao ser chamado pelo nome, balançar a cabeça e as mãos – cada um desenvolve comportamentos autistas de maneiras pessoais e intransferíveis, por isso não basta apenas um diagnóstico e uma receita a seguir, é preciso considerar a singularidade de cada caso. A história de vida, a realidade social, as experiências de linguagem e muitos outros fatores subjetivos mudam a realidade de cada paciente, como acontece com qualquer outro cidadão. Da mesma forma, a interação com vários tipos de prática durante o tratamento também influem no desenvolvimento das crianças e adolescentes. Sem dúvida, o conceito de reabilitação e deficiência é mais amplo e vai além dos tratamentos puramente fisiológicos. O neurologista e pai da psicanálise, Sigmund Freud (1835-1930) e seu discípulo, o psicanalista Jacques Lacan (1901-1981) se debruçaram na análise desses aspectos subjetivos que não apenas indicam as causas, mas também são fundamentais para tratar o TEA, justificando plenamente a presença dos psicanalistas nas equipes dos serviços de saúde pública e de pesquisa.
O Relatório da Organização Mundial de Saúde, de 2012, atesta a necessidade de haver equipes multidisciplinares no atendimento às pessoas com deficiência, justamente, por se constatar benefícios à reabilitação. E ali estão alguns exemplos: “Observou-se que a reabilitação multidisciplinar para deficientes com doença pulmonar obstrutiva crônica associada, reduz o uso dos serviços de saúde”. A OMS também registrou que “Serviços terapêuticos multidisciplinares para idosos mostraram que a capacidade desses pacientes em realizar atividades da vida diária melhorou, e a perda funcional foi reduzida”. E ainda: “O uso da abordagem em equipe para melhorar a participação social de jovens com deficiências físicas mostrou uma boa relação custo-benefício”.
“Existe um esforço mundial para mensurar as interações entre os serviços e se definir políticas que têm foco no indivíduo (prover um dispositivo assistivo), na sociedade (implementar leis contra a discriminação), ou em ambos. A ONU e a OMS desenvolvem programas com o objetivo de identificar elementos-chave para assegurar uma agenda para o desenvolvimento que tenha em conta as pessoas com deficiência para 2015. O tratamento atual impõe uma mudança na sociedade e uma ampla assistência para além do que se convencionou como reabilitação e, portanto, cabe a defesa da psicanálise neste campo”, afirma a psicanalista Cristina Abranches, uma das articuladoras do Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Publica, que citou o relatório da OMS durante reunião plenária, em São Paulo.
Ao contrário das linhas mundiais, o Sistema Único de Saúde criou a Rede de Cuidados as Pessoas com Deficiência e os Centros Especializado de Reabilitação, mas, no decreto 835, de abril de 2012, ao definir o incentivo financeiro, determina uma equipe mínima composta por: médico; fisioterapeuta; fonoaudiólogo; terapeuta ocupacional; assistente social; e enfermeiro. “Nota-se que o psicólogo não foi contemplado e muito menos o psicanalista”, conclui.
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