Erasmo Carlos completou 50 anos de carreira em 2011. O marco zero da trajetória empreendida por ele foi o LP Só Twist, gravado em 1961 com o The Snakes, grupo vocal formado com dissidentes do quinteto liderado por Tim Maia, o The Sputniks, que também revelou um jovem capixaba, aspirante a cantor, chamado Roberto Carlos. Quatro anos mais tarde, em 1965, Erasmo debutou solo com o álbum A Pescaria, que fez dele um dos ícones da Jovem Guarda.
Já famosos por suas carreiras individuais, Erasmo, Roberto e Wanderléa se tornaram ainda mais populares, ao apresentarem o programa Jovem Guarda, exibido na TV Record, no conturbado triênio de 1965 a 1968. E foi justamente por ignorar a opressão que pairava no ar com o regime militar que a Jovem Guarda ganhou, para muitos, a conotação de alienante.
Na contramão dessa frivolidade e do romantismo que, a partir dos anos 1970, impregnou a carreira de Roberto, Erasmo fez cada vez menos concessões artísticas. E o caminho de maturidade trilhado por ele ficou evidente em 1971, quando assinou contrato com a Philips e lançou o álbum Carlos, Erasmo, sua obra-prima.
A boa nova é que acabam de ser reeditados e remasterizados em CD três álbuns fundamentais de sua discografia. Carlos, Erasmo, entre eles, mas também Sonhos e Memórias 1941-1972 (1972) e Banda dos Contentes (1976). Lançada pela Universal, que detém os direitos da Philips, a caixa ganhou o nome Três Tons de Erasmo Carlos.
Produzido pelo maestro Rogério Duprat, Carlos, Erasmo foi gravado com um time de craques – Liminha e Sérgio Dias, dos Mutantes, e o guitar-hero tropicalista Lanny Gordin, entre eles. O disco abre com De Noite na Cama, escrita por Caetano Veloso nos dias de exílio em Londres. Outros grandes compositores são reverenciados pelo Tremendão – os irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle (26 Anos de Vida Normal), Jorge Ben Jor (Agora Ninguém Chora Mais) e Taiguara (Dois Animais na Selva Suja). De autoria de Erasmo e Roberto, destacam-se É Preciso Dar Um Jeito Meu Amigo, o samba-soul Ciça Cecília, com arranjo sublime de Arthur Verocai, e a polêmica Maria Joana – suposta ode à maconha que traz os versos “Só ela me traz beleza/Nesse mundo de incertezas/Eu vejo da minha janela/Estou bem mais alto que ela/Eu quero Maria Joana”.
Como sugere o título, o primeiro álbum autoral de Erasmo, Sonhos e Memórias 1941-1972, traz canções carregadas de emoções memoriais, expressas desde a capa, de Aldo Luiz, que reproduz retratos de ídolos, como Jimi Hendrix, Jorge Ben Jor e Elvis Presley, entre outros. Nele, estão os sucessos Mané João, que resiste ao tempo e até hoje esquenta bailes de samba-rock, e Cachaça Mecânica, que faz um improvável cruzamento entre o carnaval e o filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick.
Banda dos Contentes, o terceiro disco da caixa, encerra o período considerado por Erasmo sua “fase hippie”, que teve início com Carlos, Erasmo. O álbum tem uma verve crítica que desconcerta ouvintes desavisados. Há quase nada de “contente” nele. A começar pela arte que ilustra o miolo do LP, que mostra um grupo de homens em conflito, na rua. Todos eles têm, no rosto, a feição de Erasmo. O álbum traz Paralelas, de Belchior, em sua versão original – a letra seria, depois, mutilada pela censura –, e a ecológica Queremos Saber, de Gilberto Gil. Não resta dúvida, uma trinca obrigatória na extensa discografia de Erasmo.
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