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Lendas do jazz, talentos natos, viciados em drogas e músicos históricos. As semelhanças entre Billie Holiday e John Coltrane são diversas, mas também incluem uma triste curiosidade.
Há 53 anos, no dia 17 de julho de 1959, Billie Holiday morreu vítima de edema pulmonar e insuficiência cardíaca. Influência para cantoras como Janis Joplin, Nina Simone e Amy Winehouse, Billie teve uma infância difícil. Nascida em 7 de abril de 1915, a cantora da Filadélfia, Pensilvânia, foi a filha única de um jovem casal. Sua mãe tinha apenas 13 anos quando Billie nasceu, e seu pai, 15.
Abandonada pelo pai ainda bebê, Billie foi criada pela mãe e por familiares. Abusada sexualmente por um vizinho aos 10 anos de idade, lavou chão de prostíbulos aos 12 anos e começou a se prostituir aos 14. Sua sorte começou a mudar quando, em 1930, com apenas 15 anos de idade, foi a um bar do Harlem, em Nova York, a procura de emprego como dançarina.
Billie não sabia dançar e pouco provavelmente conseguiria o emprego. Convidada pelo pianista, arriscou-se a cantar. Sua voz doce e ritmada foi logo reconhecida e a jovem adolescente conseguiu o emprego que posteriormente a consagraria como ícone musical.
Nos anos seguintes, Billie cantou em diversos locais do Harlem, bairro boêmio e culturalmente efervescente de Nova York. Seu talento atraiu a atenção do crítico John Hammond, que abriu as portas para que a cantora conhecesse alguns dos maiores nomes do jazz da época.
Benny Goodman, Artie Shaw, Count Basie e Louis Armstrong foram alguns dos grandes músicos do estilo que se apresentaram ao lado de Billie Holiday e que a ajudaram a marcar seu nome na história do jazz. Mas foi ao lado do saxofonista tenor Lester Young que Billie realizou a parceria mais significativa de sua carreira, gravando mais de cinqüenta canções e angariando diversos sucessos. Foi Young também quem deu o apelido pelo qual Billie Holiday ficaria famosa: Lady Day.
Presa em 1946 por porte de heroína, Billie foi mais uma das diversas personalidades do jazz que sofreram com o vício. Depois de conseguir abandonar a dependência, a cantora passou a consumir grandes quantidades de álcool, abuso que a levaria à morte.
No início de 1959, Billie foi diagnosticada com cirrose. Em seu leito de morte, na cama do hospital Metropolitano de Nova York, foi abordada por policiais, que lhe deram voz de prisão por porte de drogas. Após seu falecimento, U$ 750 foram encontrados junto a seu corpo. A quantia era o único dinheiro que possuía, além de 70 centavos de dólar em sua conta corrente.
A data ficaria marcada como um dos dias mais tristes da história do jazz. Exatos oito anos depois, em 17 de julho de 1967, outro ícone do estilo nos deixava. Nascido em Hamlet, na Carolina do Norte, em 23 de setembro de 1926, o saxofonista tenor John Coltrane começou sua carreira como clarinetista, optando depois pelo saxofone alto.
Influenciado pelos mesmos Lester Young e Count Basie que haviam feito história ao lado de Billie Holiday, Coltrane ficou especialmente impressionado ao conhecer a música do saxofonista Charlie Parker. Acreditando que Parker já havia “esgotado” as possibilidades de inovação do sax alto, Coltrane opta por seguir carreira no sax tenor.
Já em Nova York, toca com o brilhante trompetista Dizzy Gillespie entre o final dos anos 40 e começo dos anos 50. Como “Lady Day” e diversos outros grandes jazzistas, Coltrane também se torna viciado em heroína, droga que embalava a música e a vida errante dos brilhantes artistas que perambulavam pela Nova York dos anos 40 e 50.
Em 1955, Coltrane começa a trabalhar com aquele que também se tornaria uma lenda do estilo e com quem faria alguns dos melhores trabalhos de sua carreira: o trompetista Miles Davis. É com ele que Coltrane participa da banda responsável pelo disco considerado a obra prima máxima do jazz, o conceitual e inovador A Kind Of Blue, de 1959.
Com Miles, seguiram-se diversos outros álbuns, mas Coltrane também já acumulava em sua discografia trabalhos com outros grandes músicos, além dos álbuns de sua própria banda, formada em 1957.
Entre diversos álbuns notáveis de sua discografia, como Blue Train, de 1957, e Soultrane, de 1958, Coltrane também realizou uma obra considerada tão marcante quanto Kind Of Blue. Lançado em 1965, A Love Supreme é apontado como um dos álbuns mais importantes da história do estilo musical, se tornando um marco e um registro histórico do jazz livre e inovador praticado pelo saxofonista.
Misturando ritmos africanos e improvisações contagiantes e refinadas, o disco reafirmou entre os especialistas do estilo o talento e a capacidade de inovação de Coltrane. Sua fase seguinte foi marcada por seu interesse no free jazz, vertente do estilo que também tinha como expoente o saxofonista Ornette Coleman.
Já livre do vício em heroína e álcool – que largara em 1957, antes de realizar seu retorno ao jazz com as obras acima citadas – Coltrane não resistiu a um câncer de fígado e morreu no Hospital Huntington, em Long Island, Nova York. A morte do saxofonista surpreendeu os amigos, que não sabiam de sua condição. “A morte de Coltrane chocou a todos e nos pegou de surpresa. Eu sabia que ele não estava bem, mas eu não sabia que ele estava tão doente”, disse o parceiro Miles Davis ao jornalista Lewis Porter, autor da biografia John Coltrane: His Life and Music, ainda não lançada no Brasil.
John Coltrane tinha apenas 40 anos de idade quando morreu, e ficou conhecido por suas constantes inovações e demonstrações de talento, sendo apontado como influência para diversos ícones da música dos anos 60 e 70, como Jimi Hendrix, The Doors e The Byrds.
Em 1971, o saxofonista inspirou a criação da Igreja Ortodoxa Africana Saint John Coltrane,de São Francisco, Califórnia. A Igreja incorporou as músicas e letras do jazzistas em suas orações e rituais, e se tornou tema de um documentário da rede BBC, produzido em 2004.
Autor do conhecido poema “The Revolution Will Not Be Televised” (A Revolução Não Será Televisionada), o músico e poeta americano Gil Scott-Heron compôs em homenagem à Bilie Holiday e John Coltrane a música “Lady Day And John Coltrane”.
Presente no álbum Pieces Of A Man, de 1970, a canção – um misto de funk e soul típico da época – evoca a presença e a espirituosidade dos dois ícones do jazz. “They’ll wash your troubles, your troubles, your troubles away” (Eles levarão seus problemas, seus problemas, seus problemas para longe), cantou Heron, que morreu aos 62 anos, em 2010, vítima de pneumonia decorrente da AIDS.
53 anos depois da morte de Billie Holiday e 45 anos após a partida definitiva de John Coltrane, os fãs de jazz concordam com Heron e torcem para que, em algum lugar, a dupla continue soando tão bem quanto no tempo breve e marcante em que estiveram por aqui.
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