Trump não é novidade

Barry Goldwater, que foi senador e candidato presidencial nos EUA em 1964. Foto: Reprodução/Arquivo
Barry Goldwater, que foi senador e candidato presidencial nos EUA em 1964. Foto: Reprodução/Arquivo

Um pré-candidato presidencial do Partido Republicano traz consigo um discurso e uma plataforma de extrema-direita. Uma possível vitória apavora os cidadãos de dentro e de fora do partido. As consequências podem ser desastrosas e entre elas está um factível conflito de alto potencial destrutivo. Ele atrai a simpatia de racistas e segregacionistas. O partido, longe de se unir em torno dele, se divide e busca desesperadamente um nome mais moderado para lhe fazer frente.

Esse sujeito poderia ser o magnata Donald Trump, pré-candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos. Mas, na verdade, trata-se do senador Barry Goldwater (1909-98). Desconhecido no Brasil e pouco lembrado nos dias de hoje, ele foi o candidato presidencial do Partido Republicano nas eleições de 1964. Esse mesmo 1964, ano do golpe civil-militar no Brasil, poderia ter sido igualmente marcante para os americanos, se Goldwater tivesse triunfado. O contexto, auge da Guerra Fria, tinha nele um fervoroso soldado anticomunista.

Tal qual em 2016, em 1964 os Estados Unidos estavam sob a Presidência do Partido Democrata. Ao invés do carismático Barack Obama, o grande irmão do norte tinha como seu representante maior o autoritário Lyndon Johnson (1909-73), que chegou à Presidência da República um ano antes, em 1963, depois do assassinato de John Kennedy, de quem era vice.

Apesar da cara de poucos amigos, Johnson vinha sendo responsável por levar adiante as políticas de bem-estar social que eram  desenvolvidas desde o início do New Deal. Inclusão social, auxílio-escola e legislação dos direitos civis estavam entre as realizações do presidente e de seu partido. Muito semelhante ao que Obama tenta hoje restaurar – e, em meio a uma guerra com o Legislativo, às vezes fracassa. Se o cenário político externo estava assustador e o mundo parecia à beira de um conflito nuclear, o cenário interno era de protecionismo e seguridade social. Goldwater foi uma resposta a tudo isso.

Senador pelo Estado do Arizona, ele possivelmente figurava como o pavio para a total combustão política. Totalmente contrário ao estado de bem-estar social, ao comunismo, à inclusão social e aos sindicatos, Goldwater era conhecido por seus correligionários como “senhor conservador”. Seu discurso assertivo contrastava fortemente com o da ala mais moderada do partido, até aquele momento mais forte, que tinha como seu maior representante o empresário Nelson Rockefeller (1909-79).

Mesmo o ex-presidente Dwight Einsenhower, no comando dos EUA entre 1953 e 1961, era ironizado por Goldwater, que dizia que seu mandato era “uma loja de variedades do New Deal” e “um Einsenhower em uma geração era o suficiente”. Não muito diferente das ironias que, vez ou outra, Trump dispara contra o ex-presidente George W. Bush, que governou o país de 2001 a 2009. Richard Nixon, que foi vice de Einsehower, apoiou Goldwater durante a corrida presidencial, mas fez severas ressalvas e teceu críticas à plataforma defendida pelo senador.

Hillary Clinton aos 17 anos, quando era republicana. Foto: Lee Balterman
Hillary Clinton aos 17 anos, quando era republicana. Foto: Lee Balterman

O tom inflamado, reativo e conservador do senador do Arizona agradou às bases do partido. O fato de ter votado contra os direitos civis fez com que ele ganhasse a simpatia do eleitorado branco e sulista. Durante as primárias republicanas, seu discurso convenceu, sobretudo, pelo fato de seu maior rival, Nelson Rockefeller, ter se divorciado e se casado com uma mulher 15 anos mais jovem. A antes impensável nomeação para a candidatura presidencial acabou se efetivando, e o extremista Goldwater acabou enfrentando Johnson.

No entanto, se o senador conseguiu sucesso nas primárias, não levou esse êxito para a campanha. Retratado pela propaganda de Johnson como um louco extremista, acabou vítima de suas próprias posições. Ter sido contra os direitos civis lhe tornou popular entre os brancos sulistas, mas lhe deu a pecha de racista perante o restante do país. A forma agressiva com a qual se referia a colegas de partido durante as primárias também deixou Goldwater isolado e sem apoios importantes. O senador tinha um comportamento duvidoso mesmo antes da campanha. Certa vez, chegou a dizer que a Costa Leste dos Estados Unidos deveria sair flutuando pelo mar, separando-se do país.

Sua derrota foi esmagadora no colégio eleitoral e no voto popular – 52 e 38,47%, respectivamente  –, vencendo apenas no Arizona e nos estados do Sul contrários aos direitos civis: Alabama, Mississipi, Geórgia, Louisiana e Carolina do Sul. Johnson foi reeleito com 61,05% dos votos populares e 486 votos no colégio eleitoral.

Não se sabe se Trump irá repetir o mesmo roteiro de Goldwater. Apesar da semelhança da situação e do discurso, o contexto é diferente. A atual crise de representatividade não existia naquele ano de 1964. Trump pode (e vai) usar essa crise a seu favor. O tempo dirá se a estratégia do magnata vai funcionar.

A curiosidade de tudo isso é que a possível rival democrata de Trump, Hillary Clinton, estava em 1964 fazendo campanha para Goldwater. Com apenas 17 anos, Hillary começou na política como republicana; só mais tarde se juntou aos democratas. Além de repetições, a história dos Estados Unidos também apresenta uma série de ironias. 


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