O cinema português tem pouca visibilidade no Brasil. O inverso também é verdadeiro; o cinema brasileiro não é muito expressivo além-mar, nas terras dos nossos patrícios. Este ano, o novo filme de Manoel de Oliveira, O Estranho Caso de Angélica, abriu a 34ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e vem lotando as salas paulistanas (uma raridade nas últimas edições do evento). O novo filme de Manoel de Oliveira foi muito bem recebido no Festival de Cannes de 2010 e está sendo muito bem recepcionado pelo público da Mostra. O diretor tem um cinema muito peculiar pelas temáticas que trabalha, mas principalmente pela maneira de filmar. O uso da câmera parada é a essência e um verdadeiro manifesto dos seus filmes.A beleza plástica de Mistérios de LisboaOutro filme português vem ganhando as atenções e os elogios dos frequentadores da Mostra deste ano: Mistérios de Lisboa, do diretor Raoul Ruiz (ele viria para a Mostra, mas, assim como Manoel de Oliveira, teve problemas de saúde). Diferentemente de Manoel, o filme de Raul é um exercício virtuoso da câmera para dar conta da história folhetinesca do livro homônimo do português Camilo Castelo Branco, no qual o filme se baseia. O filme teve pré-estreia na América Latina no sábado (23), no Unibanco Arteplex 1, Shopping Frei Caneca (será exibido no dia 28, às 13h30, no Unibanco Arteplex, e no dia 31, às 14 horas, no Espaço Unibanco Pompeia 1).Antes da exibição, o diretor da Mostra, Leon Cakoff, apresentou parte do elenco, entre eles o ator português Ricardo Pereira, que trabalha no Brasil, além de Ricardo Trêpa (leia abaixo entrevista exclusiva para o site da Brasileiros). Mistérios de Lisboa, que tem duração de quatro horas e 26 minutos, agradou à maioria dos presentes que lotou a sala. O filme, apesar da longa duração, não é cansativo, muito em função da maneira engenhosa de narrar do diretor Raoul Ruiz e principalmente pelas belas imagens que ele reserva. Há, contudo, uma ressalva a fazer: as suas muitas subtramas que, apesar de necessárias para amarrar toda a história, enfraquecem o todo. [nggallery id=14157] Entrevista Ricardo TrêpaBrasileiros – Quantos filmes você já fez com seu avô, Manoel de Oliveira?Ricardo Trêpa – Já fiz quase quase uma dúzia, eu acho.Brasileiros – Quase uma dúzia?R.T. – Uma dúzia. Talvez, com este O Estranho Caso de Angélica, seja uma dúzia.Brasileiros – Qual filme que fez com Manoel de Oliveira e que foi o mais difícil? Foi Palavra e Utopia (Ricardo Trêpa interpreta o padre Antônio Vieira, na juventude. Os atores Luís Miguel Cintra e Lima Duarte interpretam Viera na maturidade e na velhice, respectivamente)?R.T. – Não, não. O filme Palavra e Utopia foi meu primeiro filme. Foi, talvez, o mais ingênuo de todos, desde que comecei a trabalhar como ator. O papel era em português, mas já em uma fase abrasileirada. Então, foi um desafio, mas ingênuo, como disse anteriormente. O meu filme mais trabalhoso foi O Quinto Império, sobre o rei português, o mito, Dom Sebastião. Tive de mergulhar em um universo do século XVI e ser rei. Não foi nada fácil (risos).Brasileiros – Fale um pouco sobre o novo filme de Manoel de Oliveira, O Estranho Caso de Angélica, que abriu a Mostra deste ano.R.T. – O Estranho Caso de Angélica é um filme com um significado para o Manoel. Foi escrito nos anos 1950 e proibido pelo regime de Salazar. Ficou na gaveta todo esse tempo e, no ano passado, Manoel fez umas pequeníssimas alterações e filmou, deixando a sua essência, a sua mensagem. Agora, está aqui na Mostra, sendo apresentado a vocês, depois de ter passado no Festival de Cannes com uma boa recepção. Quem não assistiu ainda, tem a oportunidade de vê-lo (o filme abriu a Mostra no dia 21, e passou mais duas vezes. As próximas exibições serão no dia 27, às 21 horas, no Cinemark do Shopping Eldorado (sala 7), e dia 30, às 19h20 no CineSESC).Brasileiros – Seus trabalhos quase se restringiram aos filmes que você fez com seu avô. Você acha que existe alguma discriminação por parte de outros realizadores?R.T. – Não… Que dizer, o universo de Manoel é um pouco discriminado, já por isso. É um cinema que contém uma linguagem, uma mensagem quase sempre muito peculiar, muito especial, muito intelectual, muito profunda. Além disso, tem a sua maneira estática de filmar, entre aspas. Então, o cinema de Manoel é tudo que o envolve, inclusive seus atores. Só que quem trabalha com Manoel não sabe fazer apenas isso. É um erro achar que os atores que trabalham com ele apenas sabem fazer filmes dele. Ator, por essência, é versátil. Eu tenho a sorte de ter o avô que tenho, de poder estar em seus filmes. Faço teatro e televisão em Portugal com outras pessoas, outros diretores. Sinto, como você destacou, um pouco esse peso de carregar o cinema de Manoel nas costas, mas para mim isso é visto como uma grande sorte.Brasileiros – Manoel de Oliveira viria para abertura da Mostra, mas por problemas de saúde não pôde comparecer. Ele virá, como falaram os organizadores da Mostra, para o final do evento?R.T. – Ele estava já programado para vir, e estava muito feliz por isso. Ele adora a Mostra e o Brasil, mas os seus médicos o aconselharam a não viajar naquele momento. Ele me disse, no entanto, que virá para o final da Mostra, assim espero (risos).
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