Existe um jeito bem objetivo de averiguar a expansão do mercado de aviação executiva no Brasil. Basta observar o crescimento da LABACE (Latin American Business Aviation Conference and Exhibition). A primeira edição da feira – a maior da América Latina nesse segmento – ocorreu em 2003. Naquele ano, foram 88 empresas participantes, 16 aeronaves expostas e 2.876 visitantes. Oito anos depois, em 2011, a LABACE contou com 165 empresas, 65 aeronaves e 15.420 visitantes. O valor de negócios gerados durante o evento também teve aumento espantoso, chegando a estimados US$ 550 milhões.
Idealizado e organizado pela Associação Brasileira de Aviação Geral (ABAG), a LABACE reúne as mais importantes empresas do setor de aviação do mundo. Neste ano, marcaram presença na feira companhias como Airbus, Eclipse, AgustaWestland, Bombardier Business Aircraft, Cirrus, Dassault Facon, Embraer, Cessna, Bell Helicopter, Hawker Beechcraft e Helibras. O evento acontece em um espaço ao lado do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. É ali que as empresas apresentam suas novas aeronaves. De helicópteros a jatos, há modelos para todos os gostos e bolsos.
Entre os aviões executivos, há uma infinidade de opções. Dos mais baratos, como o Citation Mustang, da americana Cessna, que acomoda seis pessoas e custa US$ 3 milhões, até os mais caros, como o Boeing Business Jet 2 (BBJ2): um gigante de 93,27 m2 e autonomia de voo de até 10,5 mil km. Dependendo da configuração, pode levar até 50 pessoas. Preço: US$ 72 milhões.
“O valor das aeronaves varia em função do alcance, da capacidade de passageiros e da velocidade. Um monomotor voa a 300 km/h, um jato a 900 km/h”, explica Francisco Lyra, presidente da ABAG. Segundo ele, a aeronave ideal é aquela que mais se adapta à necessidade de cada um. “Não há avião perfeito, mas aquele que melhor combina com o perfil do usuário.” O Brasil é o segundo país no mundo em número de aeródromos. São 4.072, mas só 726 são pavimentados. Por isso, as aeronaves turboélice e de motor convencional representam a maior parte das vendas.
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Incluindo aviões convencionais, turboélices, jatos e helicópteros, o País soma hoje 12.310 aeronaves de aviação geral, a segunda maior frota do planeta. Nessa conta, não são incluídos os aviões das companhias aéreas que fazem voos regulares. Só de aeronaves particulares, o Brasil tem 1.225 unidades. Ainda está longe de alcançar os Estados Unidos, com 17.937 aparelhos. Mas supera o Canadá, com 1.117, o México, com 1.035, e a Alemanha, com 664.
Nos últimos três anos, o País registrou crescimento extraordinário da frota. Entre 2008 e 2010, os novos registros de aeronaves TPP – prefixo usado para os modelos de uso privado – cresceram 76%, de acordo com dados da ANAC. Só no ano passado, o número de aeronaves particulares registradas, 652, excedeu o de aviões das companhias aéreas brasileiras, com frota de 619 unidades.
Nos próximos 10 anos, a indústria mundial de aeronaves deve produzir cerca de 11 mil aviões. Desse total, o Brasil pode abocanhar cerca de 4%. A expectativa em curto prazo, segundo avaliação de Francisco Lyra, é de que “a aviação geral brasileira cresça até 25% ao ano”.
Luxo ou necessidade?
Os pilotos Nelsinho Piquet, Rubens Barrichello e Felipe Massa têm o seu. O empresário Abilio Diniz tem o dele. Os sertanejos Chitãozinho e Xororó e Zezé Di Camargo e Luciano também. Assim como as cantoras Ivete Sangalo e Claudia Leitte e os apresentadores de TV Luciano Huck e Xuxa.
Ter um avião para chamar de seu nem sempre é mera questão de luxo. Em muitos casos, é uma necessidade e, às vezes, a opção mais econômica para empresários e profissionais que não têm tempo a perder e precisam se deslocar constantemente de um lugar para o outro. “Quando o executivo precifica sua hora de trabalho desperdiçada – em conexões, esperas ou pernoites desnecessárias – e verifica que o custo da hora desperdiçada torna-se maior que o custo de hora de voo de um avião executivo, ocorre a decisão da compra”, explica Lyra.
Uma pesquisa realizada pela revista americana Business & Commercial Aviation revela que, em algumas situações, sai mais em conta para as empresas comprar ou fretar aviões para transportar seus executivos que desperdiçar horas de trabalho em aeroportos ou hotéis. Tem mais: muitas vezes, os empresários precisam ir a cidades que não são atendidas por voos regulares, o que faz com que gastem ainda mais tempo em deslocamentos por terra. No Brasil, país com mais de cinco mil municípios, a aviação comercial, segundo a ABAG, atende pouco mais de 100 destinos.
O estudo mostra ainda que, se as viagens dos executivos são pouco frequentes, é mais vantajoso fretar uma aeronave. Mas, quando eles precisam viajar muito, é mais interessante investir em aeronave própria. Além de mais econômica, a aquisição oferece segurança para os executivos, permitindo que eles discutam assuntos sigilosos durante o voo. Neste caso, o jato pode funcionar como um escritório, com sistema de internet e telefonia via satélite, onde os empresários podem realizar reuniões e fechar negócios. A Vale, por exemplo, transporta seus executivos em um Global Express XRS, principalmente em viagens para Ásia e Austrália. Fabricado pela Bombardier, o jato custa US$ 48 milhões.
Investimento em infraestrutura
O cantor Roberto Carlos, segundo informa a imprensa, já encomendou um avião particular mais potente. É um Gulfstream 650 (G650). Roberto Irineu Marinho, presidente das Organizações Globo, e Eike Batista, o homem mais rico do Brasil, também estão na fila para receber a mesma aeronave. O G650 é um superjato capaz de percorrer, sem escala, o trajeto São Paulo-Moscou. Pode custar até US$ 60 milhões, dependendo dos acessórios de conforto e funcionalidade.
A americana Gulfstream Aerospace Corporation, empresa que investiu US$ 400 milhões no projeto do G650 e é controlada pela General Dynamics, é uma das gigantes do setor de aviação e esteve presente na LABACE 2011. Expôs dois dos seis aviões que comercializa: G450 e G550. Desde 2009, as vendas da Gulfstream mais que dobraram no País, passando de 14 para 33 aeronaves. “A importância do Brasil nos planos da companhia cresce ano a ano. Mas, para crescer mais, depende de infraestrutura. Os aeroportos brasileiros ainda não são muito amigáveis para a aviação executiva”, avalia Joe Lombardo, vice-presidente executivo da General Dynamics. Esta foi a quarta vez que ele aterrissou por aqui. “A cada visita, fico mais impressionado com o desenvolvimento do Brasil e a solidez do mercado.” A atual crise nos Estados Unidos e na Europa preocupa Lombardo: “As economias estão interligadas. Então, a crise acaba afetando o mundo todo”. O executivo chama a atenção para a Copa do Mundo de 2014. E aponta que o País precisa investir em melhorias aeroportuárias. “Muitas pessoas costumam ir a esses eventos de jatos executivos.”
Mesma opinião tem Francisco Lyra: “Estamos perdendo espaço devido à miopia do setor público que não enxerga valor na conectividade e capilaridade do setor. Enquanto Congonhas atende, em voos diretos, apenas 29 destinos pela aviação regular comercial, os aviões de táxi aéreo e privados atenderam, em 2010, a 905 destinos únicos a partir de Congonhas. O Campo de Marte, objeto de tantas especulações sobre seu destino (estação de trem, estádio, parque) conecta São Paulo a 1.344 destinos. Portanto, é estratégico para o crescimento e desenvolvimento do País que se preserve essa conectividade”.
Para demonstrar em números a importância crescente da aviação executiva para o País, a ABAG realizou um mapeamento inédito do setor. Os dados, relativos ao período de janeiro a dezembro de 2010, foram catalogados no primeiro Anuário Brasileiro de Aviação Geral. Com o objetivo de servir de ferramenta de apoio para a elaboração de políticas públicas para o setor, o documento mostra que a aviação executiva (jatos particulares, táxi aéreo e fretamentos) realizou 835 mil voos no ano passado. O Estado de São Paulo lidera em quantidade de aeronaves: 3.578 unidades. Em seguida vem Minas Gerais, 1.002; Rio Grande do Sul, 843; e Goiás, com 831 aviões. As aeronaves utilizadas na aviação executiva têm, em média, 25 anos de idade: 51% têm entre 21 e 40 anos; e 30% menos de 15 anos.
Ferrari nos céus do Brasil
Apesar do momento incerto pelo qual passa a economia mundial, as empresas presentes na LABACE 2011 estavam otimistas em relação ao Brasil. A Líder, representante da marca americana Hawker Beechcraft, anunciou vendas fechadas já durante o evento. A canadense Bombardier abrirá um escritório de apoio técnico no País até o fim do ano. A América Latina responde por cerca de 8% dos negócios da empresa no segmento de jatos executivos. Para a americana Cessna, o Brasil é o maior mercado fora dos Estados Unidos. A companhia é campeã de vendas no País. São 300 jatos Citation Mustang voando pelo espaço aéreo brasileiro. A Cessna, representada pela TAM Aviação Executiva, espera comercializar outras 75 aeronaves novas em 2011, um crescimento de aproximadamente 15%.
E se ainda há alguma dúvida de que o Brasil é um dos mercados mais disputados nesse segmento, a Ferrari estreou na LABACE em grande estilo, anunciando, com a presença do piloto Felipe Massa, que começará a vender no País aeronaves da fabricante italiana Piaggio Aero, da qual é acionista. O modelo será o Piaggio P180 Avanti II, um dos aviões bimotores turboélice mais rápidos do mercado. Voa a 745 km/h. Atualmente, existem 210 jatos desse modelo em operação no mundo. A meta da Algar Aviation, representante da marca no Brasil, é vender de quatro a seis aeronaves por ano. Preço: US$ 7,1 milhões.
Conforto e privacidade
Durante a LABACE, o visitante podia entrar nos jatos em exposição para “sentir o clima”, como explicou uma representante da Gulfstream Aerospace. E o “clima” dentro dos aviões realmente impressiona pelo conforto e privacidade. Um luxo que, até uma década atrás, era para poucos. Hoje, continua sendo. Mas, com as grandes fortunas se multiplicando, aeronaves com preços mais acessíveis e com os deslocamentos em viagens aéreas comerciais cada vez mais complicadas, ter um avião particular virou o sonho de consumo de muitos milionários.
No Brasil, com cenário econômico positivo e o dólar estabilizado, o que facilita as importações, a tendência é que o número de aeronaves particulares nos céus do País cresça ainda mais, como indica o mercado. Além disso, o Brasil conta com uma empresa de peso no segmento de avião executiva. Terceira maior fabricante de jatos do mundo, a Embraer avança em velocidade supersônica. Em 2010, um em cada cinco aviões vendidos no segmento de aviação executiva foi produzido pela empresa brasileira, e o jato Phenom 100 passou a ser o aparelho mais vendido globalmente. A empresa quer se tornar líder até 2015 e, para isso, vai transferir para os EUA e China parte de sua produção. O objetivo é estar mais próxima do mercado consumidor.
Com sete aviões executivos em seu portfólio – do Lineage 1000, de US$ 23,9 milhões, ao pequeno Phenom 100, de US$ 2,98 milhões -, a Embraer conquistou boa parcela do mercado nos últimos anos. Em 2005, quando vendeu seu primeiro avião executivo, o Phenom, a empresa detinha apenas 2,5% do mercado mundial no setor. Com as vendas de 2010, a participação da empresa subiu para 19%, com 200 modelos Phenom e 99 modelos Legacy em operação pelo planeta. Todos esses dados só confirmam as expectativas do mercado: o Brasil voa em céu de brigadeiro.
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