Um balanço da Fliporto

As mulheres continuam a querer casar-se com ele. Na Fliporto, Festa Literária Internacional de Pernambuco, realizada em Olinda, a fila para a mesa de Valter Hugo Mãe, autor de O filho de mil homens e Máquina de fazer espanhóis, entre outros, começou a formar-se uma hora antes de começar a conversa, mediada pelo também escritor Sidney Rocha.

Hugo Mãe contou causos espantosos da sua infância, fez rir com sua tentativa frustrada de ser advogado, filosofou sobre a morte (“a mim não assusta a morte, mas a ideia de não estarmos completos”), a solidão, o perdão (“quem não sabe perdoar só sabe coisas pequenas”), a condição feminina e o Brasil (“Às vezes digo que o Brasil é o Portugal que pode dar certo”).

Prêmio Jabuti no ano passado, com o livro de crônicas O destino das metáforas, Rocha conduziu o papo com bom humor. Começou perguntando sobre o sexto romance do autor português, A desumanização, que deverá sair no Brasil no começo de 2014. Passado na Islândia, o livro conta a história de uma menina após a morte de sua irmã gêmea. Sobre a paisagem inóspita do país, Valter disse que “perdemos um pouco a noção de ver e nos sentimos vistos”. A ideia de que a Islândia, seus fiordes, vulcões e pedras, “pensa” é central ao livro; e por isso o escritor arrisca: “Talvez o que exista de mais inteligente não seja o homem, mas a natureza.”

Da sua infância contou o episódio do “milagre de São Bento”. Aos sete anos, ele tinha uma espécie de alergia na mão, que ficava cheia de feridas. Uma tia disse que fosse rezar a Igreja São bento. No dia seguinte estava curado. “Todo mundo estava espantado, me pedia a benção, passava a mão no cabelo”. O escritor, premiado com o José Saramago e o Portugal Telecom, contou também da visita que fez nesse domingo a Ariano Suassuna no hospital e que este lhe havia dito “que não pretendia morrer.” Valter revelou ainda alguns de seus autores brasileiros prediletos, entre eles Bernardo Carvalho, Marcelino Freire e Rubem Fonseca.

Mais cedo, também no espaço do Congresso Literário, os autores Andrea del Fuego, Andres Neuman e Luiz Ruffato falaram de suas obras, com mediação de Christiano Aguiar. Ruffato explicou os objetivos de sua pentalogia sobre o operário urbano (O inferno provisório) como uma contraposição ao naturalismo, uma espécie de “realismo capitalista”. Famoso pelo ácido discurso de abertura em Frankfurt, voltou a botar fogo na lenha ao declarar que o interesse pela literatura brasileira no exterior só existe por conta da posição que o Brasil assumiu como potência econômica e não pela qualidade intrínseca das obras. 

Já Neuman, argentino criado na Espanha, autor de O viajante do século e do recente Falar sozinhos, teorizou com clareza sobre o romance total e as possibilidades não exploradas do romance histórico, além de discutir o uso folclórico e paternalista que é feito no exterior do rótulo literatura latino-americana, como se todos os escritores do hemisfério sul de língua espanhola devessem falar obrigatoriamente em ditadura, violência e miséria: “o que para nós é denúncia, para eles é entretenimento”. Na mesma linha, del Fuego questionou “por que não pode haver um Pynchon brasileiro”? Inspirada em Murilo Rubião, a escritora falou ainda da divisão entre fantasia e hiperrealismo no seu livro As miniaturas, lançado há pouco. 

No meio da tarde, os cineastas Sylvio Back e Miguel Gonçalves Mendes, respectivamente diretores dos documentários Universo Graciliano e José e Pilar, realizados recentemente, falaram da relação entre cinema e literatura. O primeiro contou que decidiu debruçar-se sobre a vida do autor de Vidas secas e São Bernardo depois que tentou roteirizar Infâmia. Mendes, por sua vez, contou como conseguiu criar a intimidade necessária para seu filme com o casal José Saramago e Pilar Del Rio.

Nas três mesas, dois tradutores para a linguagem de Libras revezavam-se no palco, em outra bela mostra da boa organização da Fliporto.

As crianças continuaram a se esbaldar. Clara Hadad, a contadora de histórias brasileira que mora em Portugal, atraiu um público enorme para sua apresentação empolgante. Os adolescentes tampouco puderam reclamar. De longe ouviam-se seus gritos de júbilo para receber Mel Fronckowiack na tenda Nova Geração. Explica-se: além de autora do livro Inclassificável – Memórias da estrada, ela é namorada de Rodrigo Santoro e atriz da novela Rebelde. 

Pois é, literatura também é cultura pop.


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