Foto Divulgação
Meu caro, a mais recente montagem de Hamlet, dirigida por Ron Daniels, e com Thiago Lacerda vivendo o príncipe, é bárbara, merece ser vista. A peça estreou ontem e agradou ao público. É um texto muito longo, já muito visitado, e as armadilhas são muitas. Mas este não foi um trabalho de aventureiros, todos se saíram muito bem.
Ron Daniels foi por muitos anos diretor da Royal Shakespeare Company. Este é seu quinto Hamlet e “nenhum foi igual a outro”, explica. Ele e Marcos Daud assinam a tradução e adaptação do texto, que surge enxuto, bastante atual, adequado para o século XXI. Foi resgatado o humor, perceptível há quatro séculos, mas perdido com a evolução da língua.
O palco é espartano, poucos recursos, luzes perfeitas, e um arraso de figurino, do qual cheguei a ambicionar várias peças. Vale dizer que quase tudo fica por conta dos atores – nada mais shakespeariano do que isso.
Antonio Petrin, o Fantasma, surge todo branco em uma cena escura, parece flutuar. Rei Cláudio e seus asseclas se vestem como militares argentinos da década de 1970 e, quando abrem a boca, fica claro que botariam Videla e Galtieri no bolso. As mulheres seguem o clássico: branco para Ofélia e vermelho para Gertrudes, e foi só tirar a peruca para jogar a rainha no sofrido rol dos culpados – belo resultado.
Talvez a maior surpresa seja Roney Facchini como Polônio, armado de um texto ágil e muito divertido, arranca inesperadas risadas da plateia. Ele quase rouba a cena com visual atual e falas burocráticas. Todos lamentamos quando morre. Hilários também são os coveiros, que trazem o homem comum para a trama. Divertidos, parecem saídos de um cemitério de periferia, um arraso de texto.
Um dos requisitos para a estrutura do drama, um rei que ofereça suficiente contraponto para a força de Hamlet, é muito bem preenchido por Eduardo Semerjian. “Sem um rei forte, Hamlet fica perdido na trama”, disse ao final do espetáculo.
E temos o Hamlet de Thiago Lacerda, que surpreende conseguindo – dura tarefa – não ser sempre lindo. Com um rosto crispado, olhar perdido, sombrio, torna-se pesado até dizer chega. Ele não economiza força ao viver o tormento da dúvida, os rompantes violentos de sua loucura deixam a todos em alerta e, quando solta a fúria ao ver confirmada a verdade, vira um touro em cena. Arrasou!
Noites de estreia são sempre ingratas, foi visível o crescimento do elenco do primeiro para o segundo ato. Alguns, que no início pareciam perdidos em cena, acharam-se depois, mostrando a que vieram. Potencial não falta a ninguém.
Um palavra descrevia Thiago Lacerda ao final: alívio. “Meu corpo está moído e é muita coisa que passa pela cabeça”, afirmou. Estava feliz, mas exausto. Não é para menos, foram 3 meses de ensaios e um personagem que é um dos maiores desafios para qualquer ator. Mas ele deu conta do recado.
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