É uma da tarde de domingo, dia 16 passado, em Tokyo. Meu amigo aflito não parava de repetir que estávamos atrasados. O jogo era às 19h30, mas o trem para Yokohama demorava uma hora, mais ou menos. Precisaríamos fazer baldeação em alguma estação que não conhecíamos e em que provavelmente nos perderíamos (as estações japonesas são imensas e as linhas são operadas por diferentes empresas). Nossos amigos com os ingressos ainda não haviam chegado ao ponto de encontro. Ansiedade: não conseguíamos fazer mais nada a esta altura do campeonato e estar na concentração do jogo tomando umas cervejas fazia parte do roteiro. Esperamos este momento por meses…
Nossas histórias são até singelas, perto do esforço descomunal que muitos fizeram. Eu adiantei férias, gastei todas minhas reservas e fui. O Pastel abandonou sua dissertação de mestrado há uma semana da entrega. Falou que escreveria de lá. Não lembro dele abrir o laptop em nenuma ocasião em que não fosse para acessar os sites de notícias do Corinthians. Discutíamos por horas a melhor escalação. Nos dias anteriores a partida passavamos noites em claro entre escolher albergues e fechar o referencial teórico da dissertação. Outros dois amigos vinham de Singapura, onde trabalham. Fora os tantos outros que sabíamos que estariam por lá.
A ida para Yokohama incluiu um trem para o sentido errado, afinal muitos acreditaram no Google, mas o Yokohama Stadium é uma arena de beisebol. Dava para perceber qual era o esporte nacional. Como tudo no final dá certo, foi na estação errada que conhecemos uma galera acompanhada de um corintiano japonês que nos guiou até o estádio. Ainda ganhamos a primeira Saporo, cerveja local que dá uma dor de cabeça tremenda. Com eles, descobrimos mais histórias de como chegaram até lá.
A chegada ao estádio foi tensa. Estávamos preocupados em pegar logo os ingressos. Na semifinal, a troca de ingressos causou tamanho baldúrdia que teve gente que demorou mais de 2 horas na fila e perdeu o começo do jogo. Antes de criticarmos nossa desorganização no Brasil é bom saber que do outro lado do mundo as coisas também saem errado. A diferença é que lá isso foi exceção.
Pois bem, são 4h da tarde. Começamos a dar a volta no estádio. Meu amigo faminto começou a abrir um bentô, uma bandeijinha de comida pronta que se compra nos seven-elevens (conveniências que se encontram em todas as esquinas). Começávamos a ver as primeiras pessoas tirando fotos, os primeiros cantos mais engraçados, um pandeiro, um japonês fazendo embaixadinha, brasileiros vendendo cerveja escondida…
De repente, um mar de gente! Era a concentração da Gaviões. Sambas antigos, bateria e, claro, mais encontros. “Aqui é Pacaembu”, diziam alguns. Fantasias irreverentes — de sheiks, de papai noel, até de Sócrates — se espalhavam e brincadeiras com os japoneses vestidos com camisas do Chelsea se multiplicavam. Eles aceitam, pulam junto, brincam. É curioso como o que para nós é questão de “vida e morte”, para eles era uma brincadeira de criança. Dançar com uma bandeira do Corinthians ou tirar fotos no meio da torcida “adversária” não lhes criava nenhum constrangimento.
Aos poucos, se sentia que a hora era de entrar. O estádio estava lindo, abarrotado. Era incrível que pudéssemos estar ali. Eu ficava repetindo que era o estádio da final da Copa. Todos sabiam que aquele era um dos momentos mais especiais da vida de cada um. Nós vivemos futebol! Entramos pelo portão certo, mas fomos dando a volta por dentro do estádio. Os japoneses da organização confiavam se você dizia que só iria tirar uma foto e voltava logo. Assim fomos migrando aos montes para o setor 4 do estádio, atrás do gol em que Cássio salvaria a pátria por pelo menos duas vezes no primeiro tempo.
Subi na grade de proteção para cantar mais alto, mais forte. Um segurança passava por mim a cada meia hora para me pedir para descer. Ali era Pacaembu. Ninguém mais nos segurava. Agora era cantar, empurrar e sofrer. Como sempre. Os vídeos que fiz de dentro do estádio na maior parte da vezes são emocionados ou impublicáveis. Eu quase não vi o jogo. Não vi o gol. Muita gente se abraçava. Perdi meus amigos. Fiquei sozinho, sem camisa, por mais uns 15 minutos. Ficava entre a depressão de comemorar sozinho e a libertação — esta é a palavra — que este título representava para nós. Os encontrei de novo na beira do gramado quando da entrega das premiações. Somos bicampeões mundiais!
Ao contrário do que se imagina, a festa foi fraca depois do estádio. As pessoas estavam dispersas em lugares distintos de Tokyo, havia gente que dormiria em Yokohama. Outros tinham horário para voltar de ônibus em suas excursões. Por alguns momentos quis simplesmente me teletransportar para o Brasil, estar na quadra da Gaviões, na Paulista, nos bares da Vila Madalena, no Itaquerão. Nas imediações do estádio alguns cantavam perdidos, outros procuravam seus grupos, outros queriam aparecer na TV (eu estava neste grupo). O metrô fecha cedo no Japão, por volta da meia noite. Como precisávamos chegar a Tokyo antes disso e já era quase 23h havíamos que correr… Porém, precisávamos comer algo, buscar a mochila de um amigo no locker de outra estação e a cada 5 minutos nos perdíamos de vista em meio ao mar de gente. Chegamos até a metade do caminho. Nos expulsaram do trem. A festa seguiria dispersa até amanhecer, quando o cansaço falou mais alto.
Dormir? Que nada! Ainda precisávamos rever os melhores momentos pela narração do Galvão, do Milton Leite, do Silvério…
Renato Flit é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, formado pela FGV
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