Um cruzamento famoso

Era mais ou menos 11h30 da manhã do dia 8 de agosto de 1969 quando os Beatles atravessaram o semáforo de Abbey Road, a poucos metros do estúdio de mesmo nome e que batizaria o último disco da banda – que seria lançado no mês seguinte. No meio da rua, equilibrando-se em um praticável, o fotógrafo Iain Macmillan teve dez minutos para tirar a foto que ilustraria uma das capas de discos mais conhecidas de todos os tempos. Isto, há 40 anos. Para muita gente, aqueles poucos passos significariam muito mais do que o pequeno passo dado por Neil Armstrong na Lua, vinte dias antes. Aquela travessia liderada por John Lennon talvez não tenha sido tão analisada quanto a travessia do Mar Vermelho liderada por Moisés há mais de dois milênios, mas, em compensação, tornou-se um ritual que é repetido à exaustão. Abbey Road é a meca dos beatlemaníacos – já que a disneylândia continua sendo Liverpool.
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Marco Antonio Mallagoli, presidente do Revolution, que existe há 30 anos e se apresenta como o único fã clube brasileiro dos Beatles reconhecido por John, Paul, George e Ringo, já viajou para a Inglaterra. Afinal, ele vive como promotor de excursões envolvendo os Beatles. No momento está liderando a Magical History Tour, que compreende Abbey Road 40 Anos (de 4 a 16 de agosto) e a já tradicional Beatles Weekend (de 25 de agosto a 4 de setembro). Neste dia 8, espera-se um gigantesco engarrafamento humano. Já pensou? É beatlemaníaco dos quatro cantos do mundo.

Este é o caso do meu amigo de infância Nélio Félix, em destaque no site Revolution de Mallagoli. Nélio, como eu, apaixonou -se pela banda ao primeiro yeh – que no Brasil só foi ouvido em 1964. Nélio nunca tocou nenhum instrumento ou se envolveu com música, mas guardou dinheiro a vida inteira para a sua aposentadoria que está vivendo no céu com diamantes, como a Lucy da música de Lennon. Ou seria em Pepperland a terra mítica visitada por submarinos amarelos? Sabe-se lá.

Mas o fato é que ele já foi várias vezes a Liverpool, visitou o Cavern Club, onde os Beatles começaram a tocar, o hotel em que se hospedavam em Londres no começo de carreira, os bares em que bebiam; conheceu Victor Spinetti, ator dos primeiros filmes dos cabeludos – A Hard Day’s Night e Help! -; assistiu em Las Vegas, Love, ao musical do Cirque du Soleil inspirado nas canções da banda; em Nova York viu o show de Dhani Harrison, filho de George, que lhe deu um autógrafo na camiseta com a foto do pai; foi testemunha do triunfo de Paul McCartney no festival californiano de Coachella – três horas de show, feito que repetiu dois dias seguidos no estádio dos Mets, em Nova York, 44 anos depois de sua banda tocar no Shea Stadium. Nélio viu de quebra maravilhas como o Grand Canyon, a Rota 66, Graceland, boa parte da Europa e Abbey Road, claro. Chorou vezes incontáveis. Inspirado em sua travessia, resolvi ir atrás de alguns beatlemaníacos notórios.

Não encontrei André Singer, o ex-porta porta-voz de Lula que de vez em quando é convidado para mesas redondas sobre os cabeludos de Liverpool, e resolvi deixar em paz o professor Eugênio Bucci, um dos poucos cantores que acompanhei ao violão que sabe a letra de Rocky Racoon de cor – afinal estava ocupado com coisas mais sérias, como o lançamento de seu livro A Imprensa e o Dever da Liberdade.

Tive melhor sorte com o médico Gabriel Petroni, com quem formei meu primeiro conjunto nos anos 1960 (Quarrymen, nome do primeiro grupo de John, George e Paul). Sua foto foi feita em outubro de 2008 e, segundo Bilé, como é conhecido, “Dá um frio na barriga esta essa travessia, além da sensação de estar atrapalhando o trânsito, o povo local já não deve estar aguentando mais, 40 anos de gente atravessando e eles têm que de ficar diminuindo a velocidade. Só indo pra sacar”. É, deve ser difícil esse negócio de trânsito lá. Segundo o radialista Oswaldo Luiz Vita, o Colibri, outro beatle-head, ele quase provocou um desastre à distância. Em 2003, ao visitar a filha Tatiana, que estudava em Londres, foi obrigado visitar Tate Gallery, London Eye, programa de adulto. De volta ao Brasil, inconformado, localizou a webcam instalada na esquina famosa (ver abaixo) e telefonou para que a filha atravessasse a rua acenando. Resultado, um táxi parou e o motorista arrumou a maior confusão com ela, que teve dificuldade em explicar um pai beatlemaníaco dando ordens a milhares de quilômetros pelo celular.

Fernando Nuno, tradutor de Yellow Submarine e da alentada Beatles – A Biografia (de Bob Spitz), me veio com esta,: “Pois é, a máquina de tirar retrato quebrou em Amsterdã. Depois fomos fazer a peregrinação em Londres, visitando Savile Row e passando pela zebra de Abbey Road, e depois em Liverpool, no Cavern, na estátua de Eleanor Rigby. Ou seja, fotografamos tudo só com os olhos”. Prevenido, meu filho Gustavo Ruiz, que o ano passado foi para a Europa com o Trash Pour 4 e voltou com a Mariana Aydar, ajustou a máquina no automático, fez tudo sozinho, e correu para o Regent Park onde tinha um show do Radiohead, que é mais a sua praia. Seu amigo Felipe Flip, que acaba de lançar o CD Eu Não Sou Chico Buarque, sentiu-se o beatle solitário, e atravessou gritando: “Where is John?”.

Foto: Frederico Mendes/ Arquivo Marcelo Fróes

Gozado foi o jornalista Marcelo Fróes, que entre outros feitos trouxe ao Brasil em 1993 o produtor dos Beatles, Sir George Martin, e está terminando uma trilogia de CDs dedicados ao repertório dos Beatles de 1969, a ser lançado pelo seu selo Discobertas. Começou teorizando sobre a travessia de Abbey Road, que considera um lugar mágico. Acredita que a prefeitura de Londres deveria fazer alguma obra, que permita que as pessoas fotografem direito. E finaliza,: “Eu mesmo atravessando a rua, acho que nem tenho, viu…”. Em compensação, mandou uma de George Martin atravessando a Vieira Souto (foto ao lado).


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