Um ex-bandeirinha que subiu ao pódio

Domingo, dia 20 de novembro de 1966. Faltando apenas quatro voltas para o fim das Mil Milhas de Interlagos (SP), Eduardo Celidônio, que vinha voando baixo na pista a bordo de uma Carretera Corvette no 18, assume a liderança da prova, após o DKW Malzoni no 7, conduzido pelo autor deste texto, ir para os boxes com problemas no motor. Na 199a volta, quando todos já esperavam a vitória de Celidônio, é a vez do Corvette encostar nos boxes, por falta de gasolina, o que leva o Malzoni novamente para a ponta da corrida. Após 20 segundos, tempo suficiente para o reabastecimento, Celidônio dá a partida no carro, que havia morrido, e nada! Tenta novamente e, enfim, o motor pega. Na última volta, última curva, o Corvette ultrapassa o Malzoni, que vinha rateando ainda com falhas no motor, e cruza em primeiro a linha de chegada das Mil Milhas, a mais tradicional prova do automobilismo brasileiro. No alto do pódio, Celidônio ainda vê seu companheiro de prova, Camilo Christófaro, bater no ombro do então jovem Emerson Fittipaldi, de apenas 20 anos, que fazia parceria com Jan Balder e chorava bastante pela derrota (a dupla acaba ficando em terceiro lugar), dizer: “Garoto, não chora, você ainda vai longe”.

Essa é apenas uma das emocionantes histórias que marcaram a carreira de Celidônio, que desde menino já era apaixonado por automobilismo. Tanto é que, aos 16 anos, vai trabalhar de bandeirinha na Associação Paulista dos Volantes de Competição (APVC), apenas para ver os carros de perto. Nascido em 4 de maio de 1943, no bairro da Vila Clementino, em São Paulo, ele aprende a guiar um automóvel bem antes de ser bandeirinha, aos 13 anos. Com 18 anos, ganha um Aero-Willys 2.190 cc de seu pai e, mesmo sabendo que o carro não tinha vocação para corridas, leva o veículo para as pistas em 1962, quando participa do Prêmio Victor Losacco, em Interlagos (SP), uma homenagem ao preparador de carros que morreu, em 1961, após ter sido atropelado pelo piloto Jaime Guerra durante uma prova.
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O sonho de Celidônio, porém, era dirigir os carros das categorias esporte internacional com mecânica nacional. Por isso, não pensa duas vezes quando surge a oportunidade de comprar a Ferrari 500 Monza do também piloto Alberto Carrara. Estreia o “carrão” em 1962, na prova Festival Automobilístico ACESP (Associação Comercial do Estado de São Paulo), em Interlagos. Essa corrida fica marcada pela morte de Fernando Mafra Moreira, piloto conhecido como “Rio Negro”, que também dirigia uma Ferrari e perdeu a direção, chocando-se contra os eucaliptos situados na área de escape. Celidônio, que vê o acidente de perto, fica impressionado e decide vender a sua Ferrari.

Em 1964, porém, o piloto paulista volta às pistas, dessa vez com uma Ferrari 250TR, participando de duas provas curtas em Interlagos. Termina a competição em terceiro lugar. Depois, com uma Maserati 300S, vence uma prova na categoria esporte, também em Interlagos. No mesmo ano, Celidônio participa pela primeira vez de uma prova longa, os 1.000 km de Interlagos, correndo com um DKW preparado pelo piloto Nilo de Barros Vinhaes. Esse protótipo tinha o porta-malas cortado e, por isso, nas arquibancadas ganha o divertido apelido de “DKW pé na bunda”.

Sua primeira corrida numa Carretera Corvette ocorre em 1965, quando participa dos 1.600 km de Interlagos, fazendo dupla com Caetano Damiani – eles terminam a prova em oitavo lugar. Logo depois, em dupla com Lauro Soares, Celidônio corre nas 12 horas de Interlagos com um Simca Chambord V8, mas acaba desclassificado. Ele lembra: “Originalmente, o Simca tinha câmbio de três marchas, mas, na preparação do carro, foi retirada a marcha a ré para colocar no lugar uma quarta marcha. Chegamos em segundo lugar, mas, diante dos protestos, fomos desclassificados”.

Em 1966, Celidônio participa da corrida em comemoração ao IV aniversário da Associação Paulista dos Volantes de Competição (APVC), pilotando uma Ferrari-Corvette alugada do piloto Camilo Christófaro. Ele termina a prova em segundo lugar, posição suficiente para chamar a atenção de Camilo, que o convida para ser seu parceiro nas Mil Milhas, a prova que acabaria marcando para sempre a sua carreira. Sobre essa corrida, Celidônio relembra: “No início da prova, vínhamos muito bem, mas à noite as duas luzes traseiras do nosso carro queimaram e fomos penalizados em duas voltas. Daí, tivemos de ‘mandar a bota’. Na manhã do dia seguinte, conseguimos ultrapassar o DKW Malzoni da dupla de jovens Emerson Fittipaldi e Jan Balder faltando duas voltas para o final da prova, mas paramos nos boxes para reabastecer. O motor demorou a pegar e vencemos no limite”.

Em 1967, durante as 12 horas de Interlagos, a dupla Celidônio-Camilo volta a “baixar a botina” a bordo da Carretera Corvette, dessa vez promovendo uma disputa acirrada com um Karmann Ghia Porsche, pilotado pela dupla José Carlos Pace e Anísio Campos. Na frente e com algumas voltas de vantagem sobre a Carretera Corvette, o KG Porsche acaba parando nos minutos finais da corrida depois de apresentar problemas na embreagem. Mas o carro recebe a ajuda do piloto Élvio Ringel, que com o seu Renault 4CV empurra o Karmann até a bandeirada de chegada. Indignado, Camilo apresenta um protesto formal por causa da ajuda externa, proibida pelo regulamento. “Na dúvida sobre quem seria realmente a dupla vencedora, os amigos começaram a nos erguer até o pódio, mas logo depois o Camilão decidiu retirar a reclamação, o que acabou confirmando a vitória de José Carlos Pace-Anísio Campos”, conta.

Em 1968, com um Karmann Ghia equipado com motor Corvair, Celidônio consegue chegar em terceiro lugar nos 500 km do Rio de Janeiro, fazendo dupla com Carlos Alberto Sgarbi. Nessa época, o piloto ainda torna-se presidente da APVC, gestão marcada pela preocupação com a segurança dos circuitos. Ainda em 1969, em sociedade com Adilson Brunharo, o piloto paulista abre o Snob’s Auto-Cine, na avenida Santo Amaro, o primeiro cinema ao ar livre de São Paulo. Nesse mesmo ano, inspirado no nome dado ao cine drive-in, surge o Snob’s Mk I Corvair, Divisão 5, um dos mais belos protótipos já construídos no País, um projeto encomendado por Celidônio para o amigo Ricardo Divila. Construído por Francisco Picciuto e Anésio Hernandez, o carro utilizava a mecânica de um Karmann Guia com o motor Corvair. Celidônio e seu parceiro de corrida Carlos Alberto Sgarbi conseguem alguns bons resultados a bordo do Snob’s, como o quarto lugar nos 1.000 km da Guanabara, no fim de 1969, e a quinta posição nas 250 milhas de Interlagos, no ano seguinte. No Festival dos Recordes, evento realizado na Marginal do Rio Pinheiros (SP) em 1970, entre as pontes do Jaguaré e Cidade Universitária, o piloto consegue a quarta melhor marca da competição, fazendo seu protótipo Snob’s atingir a velocidade média de 189,773 km/h. Em 1971, o piloto Jorge Mascarenhas sofre um acidente com o Snob’s em Interlagos, durante a primeira volta da Corrida dos Campeões. Era o fim do belo protótipo, que ficou totalmente destruído.

Sem carro, mas com muita vontade de disputar os 500 km de Interlagos, em 1971, Celidônio resolve “resgatar” um Royale Inglês que estava encostado na equipe Jolly. Após uma conversa com Emilio Zambello, o piloto entra no Royale, sai dirigindo e logo percebe que o carro era “só muito arisco” e precisava ser tocado “na ponta das unhas”. Ele termina os 500 km de Interlagos em terceiro lugar, atrás de dois Porsches.

Em 1973, o piloto volta a subir no pódio ao conquistar o segundo lugar nas Mil Milhas, dirigindo um Ford Maverick, também em dupla com Camilo.

Com o início da Fórmula Super V no Brasil, em 1974, Celidônio passa a integrar a equipe Marcas Famosas, ao lado de Alfredo Guaraná Menezes. Com um Kaimann, ele faz boas corridas no ano de estreia da competição para, já na segunda edição do torneio, em 1975, tornar-se o vice-campeão. Ao todo, ele faz 19 corridas na Fórmula Super V, conquistando duas vitórias em 1975, na prova de Cascavel (PR), em novembro, e em Interlagos, em dezembro daquele ano.
Em 1977, surge uma oportunidade única em sua carreira: competir com um Fórmula 1 no Grande Prêmio do Brasil, realizado em janeiro daquele ano. Para isso, o piloto conseguiu uma verba para alugar um F1 da equipe Shadow, que trouxe ao País três carros – dois deles garantidos para os pilotos titulares, Tom Pryce e Renzo Zorzi. O terceiro, um carro reserva, estava disponível para pilotos locais interessados em desembolsar entre US$ 50.000 e US$ 60.000 para ter o privilégio de dirigir um Shadow. Após receber autorização da Federação Internacional de Automobilismo (FIA), Celidônio inicia a preparação para tentar uma vaga no grid – havia 22 inscritos para a corrida e a regra permitia que até 24 carros participassem da prova em Interlagos. Ele seria o 23o integrante. No entanto, como ficara com o veículo reserva, Celidônio tinha de torcer para os motores dos dois carros titulares não quebrarem. Para a sua tristeza, o pior acontece: o motor de um dos carros da Shadow quebra, sem possibilidade de reparos, restando ao piloto o consolo de receber de volta o dinheiro do investimento.

Celidônio ainda participa de algumas provas de longa duração e, aos 60 anos, se despede oficialmente do automobilismo nas Mil Milhas de 2003, pilotando um Voyage – a quebra do câmbio o impede de terminar a prova.

Com o fim da carreira, Celidônio muda-se em 1980 para Maringá, no Paraná, onde funda um cemitério. Apesar de suas filhas Anna e Renata residirem em São Paulo, ele não quer mais sair de Maringá, cidade onde seu pai plantou café no fim dos anos 1940 e o seu filho caçula, Ruy Celidônio, possui uma escola de tênis.


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