Um grande brasileiro

O País perdeu neste domingo (28) um grande brasileiro. O bibliófilo e empresário José Mindlin morreu aos 95 anos, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, depois de ficar um mês internado, com pneumonia. Mindlin será enterrado às 15h, no Cemitério Israelita de Vila Mariana.

Advogado, jornalista, empresário, bibliófilo, Mindlin montou em sua casa a Biblioteca Brasiliana, a mais importante coleção particular de livros do Brasil, que ele doou para a Universidade de São Paulo (USP) em 2009. Foi membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), onde ocupava a cadeira número 29. Leia mais sobre a vida de Mindlin no iG.

Na edição 16 da Brasileiros, nosso diretor de redação, Hélio Campos Mello, escreveu sobre o livro Cartas da Biblioteca Guita e José Mindlin, que reúne cartas da coleção de Mindlin. Vamos relembrar a reportagem como uma singela homenagem para José Mindlin. Antes, leia o que ele falou na nossa seção “Você acredita no Brasil?”, da edição 1:

“Acredito plenamente no futuro do Brasil. Estamos num país que tem todas as condições de crescer, corrigindo as falhas que inegavelmente existem. Isto tem de ser visto numa perspectiva histórica e não apenas levando em conta as dificuldades atuais. Temos de ver o que foi o Brasil 100 anos atrás e o que é hoje: um país diferente e muito mais forte. É importante acrescentar que já não estamos falando do Brasil só do futuro, e sim também do que já foi feito?”
José Mindlin, empresário

As cartas de Mindlin

Obra traz correspondências da coleção do bibliófilo assinadas por D. Pedro II, Carlota Joaquina, Euclides da Cunha, entre outros


Por Hélio Campos Mello

José Mindlin nasceu em São Paulo, em setembro de 1914. Foi redator do Estadão na década de 1930 e advogou até 1950 quando trocou de profissão. Virou empresário. Dos bons. Fundou com alguns sócios a Metal Leve, uma indústria que trabalhava com alumínio, e especializou-se na produção de autopeças. Seus cilindros e pistões – peças vitais do motor de um automóvel – têm qualidade histórica. Apesar do sucesso do negócio, Mindlin nunca entendeu muito de mecânica. Dotado de inteligência e, portanto, de humor, é de sua lavra a seguinte definição sobre ele mesmo:

“José Mindlin. Fabricou pistões a maior parte da vida, sem saber o que eram”.

Com Guita, sua mulher, falecida em 2006, teve Betty, Diana, Sérgio e Sônia, seus quatro filhos. Uma antropóloga, uma designer, um engenheiro e uma socióloga. E foi também com Guita que cultivou outra grande paixão: seus 38 mil livros.

Membro da Academia Brasileira de Letras, ocupa a cadeira de número 29 que pertenceu a Josué Montello.

Personalidade admirável, Mindlin renunciou ao seu cargo de secretário de Cultura do governo Paulo Egydio Martins, em São Paulo, quando Vladimir Herzog foi morto sob tortura, em 1975.

Em 2006 doou 18 mil de seus livros para o Instituto de Estudos Brasileiros, que deve ficar pronto em 2009, na Universidade de São Paulo (USP). Segundo Mindlin, ele e Guita não tinham o “fetiche da propriedade e sempre ficamos pensando o que deveria ser feito com a biblioteca quando deixássemos o planeta. A gente passa e os livros ficam”.

Em 1996 vendeu a Metal Leve. Nise da Silveira, uma das mais importantes médicas psiquiatras brasileiras – negava-se a usar tratamentos com choques elétricos e foi quem introduziu a terapia ocupacional -, escreveu-lhe a seguinte carta:

JUNHO 96
Querido Mindlin
Venho felicitá-lo por estar agora livre das engrenagens industriais da Metal Leve. Sua vocação sem dúvida é ser um gato de livraria, acomodado, feliz entre seus livros amados. Muito grata pela linda folhinha que alegra minha mesa de trabalho com suas cores vibrantes. Receba com Guita abraços afetuosos
Nise

Nise, que morreu em 1999, era muito ligada a gatos e acreditava no efeito terapêutico do contato entre o esquizofrênico e animais em geral e sua carta faz parte da recém-lançada obra Cartas da Biblioteca Guita e José Mindlin, um primor de edição da editora Terceiro Nome. As suas 210 páginas contêm tesouros da coleção de Mindlin assinados por Dom João IV, Heitor Villa-Lobos, D. Pedro II, Gilberto Freyre, Carlota Joaquina, Vinicius de Moraes, Diogo Antônio Feijó, José Saramago, Euclides da Cunha, Antonio Candido, Affonso Arinos, Rubem Braga e Drummond, entre outras pérolas.

A estrutura do livro está à altura de seu raro conteúdo. Os editores optaram por publicar a íntegra dos originais, fossem eles manuscritos ou datilografados. Junto a isso uma transcrição da carta e uma biografia o suficiente sucinta e elucidativa de seus personagens. Quem escreveu, para quem, quando e por quê.

Uma das preciosidades é um poema de Vinicius de Moraes, “Balada do Mangue”, manuscrito especialmente pelo autor em 30 de janeiro de 1945 para o sociólogo Antonio Candido, que em 1987 deu de presente a seu amigo José Mindlin. Na carta a Mindlin, Candido explica que ele e Vinicius estavam em São Paulo no 1º Congresso Brasileiro de Escritores e que Vinicius pediu que ele descontasse um cheque de 500 cruzeiros. Candido concordou em troca do poema. Vinicius topou a troca, rindo, e foram ao escritório do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Vinicius escreveu o poema sentado na mesa de Mário de Andrade, que morreria dali a “vinte e poucos dias”.

O livro é imperdível.


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