Meu nome é Ezra Nawi. Eu sou um cidadão judeu de Israel.
Eu vou ser sentenciado em 1º de julho*, após ter sido considerado culpado de agredir dois policiais em 2007 quando resistia à demolição de casas palestinas em Um El Hir, localizada no sudoeste da Cisjordânia.
Claro que os policiais que me acusaram de agressão estão mentindo. De fato, mentir tornou-se comum entre os policiais, militares e colonos israelenses.
Depois que cerca de 140 mil cartas foram enviadas às autoridades israelenses em apoio às minhas atividades nos territórios ocupados da Cisjordânia, o Ministro da Justiça respondeu que eu havia “provocado os moradores locais”.
Essa resposta reflete a cultura do engano que foi assumida pelo discurso oficial em relação aos territórios palestinos ocupados.
Afinal, fui aquele que envenenou e destruiu poços de água dos palestinos?
Fui eu que bati nas crianças palestinas?
Fui eu que agredi idosos?
Envenenei os rebanhos de ovelhas dos palestinos?
Demoli as casas e destruí seus tratores?
Bloqueei as estradas e restringi o movimento naquela área?
Fui eu quem impediu as pessoas de ligar energia elétrica e água encanada nas suas casas?
Que proibiu palestinos de construir casas?
Nos últimos oito anos, tenho visto com meus próprios olhos centenas de abusos como esses e os expus ao público – então sou considerado um provocador. A única coisa que posso dizer então é que sou orgulhoso de ser um provocador.
Porque sou um provocador, a polícia e seus aliados têm me ameaçado, me espancado e me prendido em inúmeras ocasiões. E quando, ainda assim, eu continuei a “provocá-los”, eles não hesitaram em me chamar de “gay”; além disso, eles espalham rumores entre os palestinos com os quais eu trabalho que eu tenho AIDS.
Uma das razões dessa “provocação” tem a ver com quem sou eu. É um pouco difícil de explicar, mas por ser um judeu Mizrahi (descendente de comunidades judaicas no mundo árabe e muçulmano), gay e encanador, não pertenço à elite da sociedade israelense e não me encaixo no estereótipo dos pacifistas israelenses (intelectuais de descendência Ashkenazi). Na verdade, os policiais que constantemente me prendem e eu somos parte do mesmo estrato social. Eu fui educado como eles, nós temos sotaques parecidos, conheço sua gíria, nosso passado é comparável. E, portanto, aos seus olhos estou “do outro lado”, o lado dos palestinos.
Esse simples fato parece perturbá-los tanto que eles têm que me acossar; é a única forma pela qual seu modo de ver o mundo pode continuar fazendo sentido. Eu os ameaço precisamente por minar as categorias e estereótipos a partir dos quais eles compreendem o mundo.
Mas os policiais não são os únicos atores nesse palco. Os militares, a administração civil e o sistema judicial trabalham com a polícia e, juntos, seguem o comando de seus mestres, os colonos judeus.
Essa aliança profana é extremamente perigosa, pois para ela os fins – obter controle total sobre as Terras de Israel – justificam os meios. Com o objetivo de atingir esse fim, eles desumanizam os palestinos; e por não considerarem os palestinos humanos, tudo é permitido. Eles podem roubar suas terras, demolir suas casas, roubar sua água, aprisioná-los sem razão e, às vezes, até mesmo matá-los. Em hebraico nós dizemos damam mutar, tomar o sangue deles é permissível.
É importante ter em mente, no entanto, que o mal que eu confronto diariamente na Cisjordânia não poderia ser mantido sem o sistema judicial israelense. A juíza Eilata Ziskind não apenas errou ao me julgar culpado, mas instruiu a corte a convidar um tradutor para a sentença, como se eu não falasse hebraico. Para ela, um judeu Mizrahi é um palestino árabe – e árabes são, quase que por definição, culpados. Meu caso é apenas parte desse padrão. Todos os crimes cometidos pelo estado e seus próceres nos territórios nos últimos quarenta anos foram feitos kosher pelas cortes israelenses. Portanto, as cortes são tão culpadas quanto os demais pela manutenção da crueldade.
Por eu ser um provocador, o estado me condiciona a um constante assédio, e ainda assim eu persisto. O que me fortalece e me dá energias é o heterogêneo e constante apoio que sempre recebi de aliados políticos. Quando fui espancado por colonos judeus, quando meu carro foi roubado, enquanto estive preso, nunca me senti só. Sei que milhares de pessoas, tanto em Israel quanto em outros lugares, apoiam o que nós do Ta’ayush (parceria judaico-árabe) estamos fazendo contra a ocupação.
“Ezra” em hebraico significa socorro, e eu sei que em tempos atribulados posso contar com o socorro de meus amigos.
*Decisão foi adiada para 16 de agosto de 2009
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