Sabe-se que Sigmund Freud, o pai da psicanálise, não era uma pessoa muito fácil de se conviver. Egocêntrico, autoritário e com um temperamento para lá de difícil, ele compensava suas dificuldades de relacionamento com sua enorme genialidade para decifrar a mente humana. E foi amparado nessa sua genialidade que ele sempre conseguiu se impor e, por que não dizer, controlar seus familiares, amigos, alunos e quem mais estivesse ao seu lado. A vida de Freud, com todas as suas nuances, já foi contada e recontada em várias biografias. O que ninguém havia lido ainda era a versão dos fatos do ponto de vista da sua esposa Martha, com quem viveu por 53 anos e teve seis filhos. Esse desafio foi o ponto de partida para a psicanalista francesa Nicolle Rosen – fã incondicional de Freud – escrever o livro Madame Freud (Editora Verus). “Tudo o que está escrito no livro é verdadeiro e pode ser encontrado em biografias, cartas e outros documentos. O que difere é a maneira como a história está sendo contada, em forma de romance. As cartas não são cartas de Martha, eu as escrevi criando a personagem de Mary como sua correspondente. Para que ela falasse na primeira pessoa, ela precisava falar com alguém”, explica Nicolle em entrevista exclusiva à Brasileiros.

De leitura fácil e saborosa, o livro é uma biografia romanceada, na qual Martha conta as dificuldades em viver o tempo todo à sombra de um homem como Freud e como o fato de ele sempre a colocar em segundo plano afetou sua vida. Por meio de cartas escritas a Mary Huntington-Smith, uma jornalista americana que conhecera no velório de Freud sete anos antes, Martha vai fazendo uma autoanálise e começa a passar sua existência a limpo. “Por que me devotei completamente a uma vida e à execução de uma obra que não eram minhas?”, questiona-se. “Ele era tão seguro de ser um gênio, de ter algo excepcional para criar, que achava normal que sua esposa viesse atrás”, acredita Nicolle. E assim era Martha. Sempre atenta aos cuidados da casa, dos filhos e ao bem-estar do marido, mas, ao mesmo tempo, completamente desinformada sobre o trabalho dele.

Entre suas dolorosas confidências, ela também procura entender sua relação com os filhos, principalmente os motivos que a fizeram rejeitar sua filha Anna para sempre. Ela conclui que esse afastamento talvez tenha ocorrido porque ela fora fruto de uma gravidez indesejada. “Passei então esses nove meses num profundo abatimento. Isso não teria fim?”, desabafa. Era sua sexta gestação e Martha mostrava-se exausta. Ela também culpou seu marido, médico, por causar-lhe tamanho desconforto e nunca ter dito como evitar mais filhos. A solução encontrada por Freud, então, foi a abstinência – depois do nascimento de Anna, eles nunca mais tiveram relação sexual. Martha tinha 35 anos. A amizade conflituosa e quase doentia de Freud com seus então assistentes Carl Jung e Wilhelm Fliess, o sentimento edipiano que nutria por sua mãe, a estranha relação com sua cunhada Mirna e sua devoção pela filha caçula Anna. Nada escapa aos olhos de Martha. “Ele era egocêntrico, mas certamente gostava de sua esposa. Se Martha sofreu? Ninguém sabe, mas eu suponho que sim. Esse é o trabalho de uma escritora, inventar coisas que às vezes podem ser mais verdadeiras que a realidade.”


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