Um outro mundo, tão perto daqui

O médico Aziz Miguel Filho caminha na trilha na mata a caminho do consultório na escola / Fotos: Manoel Marques

BARRA DO RIBEIRA – IGUAPE (SP) – Ontem, a esta mesma hora, nove e meia da manhã, quando começo a escrever este texto, caminhava por uma trilha na Mata Atlântica ainda cercada de vegetação nativa, às margens do rio Suamirim, a caminho de uma escola no meio do nada.

Estava acompanhando o trabalho ambulante do médico Azis Miguel Filho, cirurgião geral do Hospital Municipal do Tatuapé, para uma reportagem sobre a sua vida que será publicada em março na revista Brasileiros e no iG.

Durante três dias por semana, ele dá assistência por conta própria às famílias que vivem na área da Estação Ecológica Juréia-Itatins, a maior reserva de Mata Atlântica do Brasil (79.830 hectares), santuário da vida marinha declarado Sítio do Patrimônio Mundial Natural pela Unesco, que se espalha por cinco municípios do Litoral Sul.

Em apenas vinte minutos de barco, saindo de Barra do Ribeira, um distrito de Iguape, município de 30 mil habitantes e 1980 quilômetros quadrados, o maior do Estado em área, chegamos à Fazenda Jussara, uma vasta área abandonada às margens do rio de onde já se tirou muito palmito.

Não se vê uma viva alma. O calor abafado e a paisagem são amazônicos, mas estamos a apenas 230 quilômetros da praça da Sé – num outro mundo, tão perto de São Paulo.

A 18 quilômetros de Iguape, cinco minutos de travessia de balsa nos deixam em Barra do Ribeira, onde vivem 1.800 pessoas, população que triplica na temporada de verão.

Aqui não tem posto de gasolina, banca de jornal, celular não pega, policiais e médicos só aparecem de vez em quando, mas também não tem poluição nem congestionamentos e não se encontram menores abandonados nem pedintes nas poucas ruas calçadas por onde a vida passa sem pressa.

A maioria das pessoas vive do pequeno comércio e principalmente da pesca, quando o mar está bom e o tempo ajuda, o que não é o caso por estes dias de águas sujas pelas chuvas que os rios despejam nos 27 quilômetros do Costão da Juréia.

Foi neste outro mundo que escolheu viver Jair Nelson Silva, de 49 anos, o Ceará. Nascido em Campo do Brito, Sergipe, ele passou a vida trabalhando atrás dos balcões de bares e padarias desde que veio para São Paulo ainda adolescente. Mostra as varizes nas pernas para provar que é verdade o que está falando.

“Eu só sei fazer duas coisas na vida: vender cachaça ou beber cachaça”, vai me contando, animado com a nova vida. Em dezembro, ele fechou a lanchonete que tinha em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, e abriu um boteco de frente para o marzão da Juréia, na entrada da casa que comprou faz tempo para passar férias. Não quer saber de outra vida.

Jair Nelson Silva, o Ceará, conta sua história para o Balaio

A mulher, Luzinete, não aguentou ficar longe dos filhos nem a calmaria do lugar, e foi-se embora na terça-feira de Carnaval. “Eu não aguentava mais a poluição, vou ficar aqui para sempre. Prefiro sentir este cheiro da maresia”, sonha o Ceará.

Nascida aqui mesmo, a professora substituta Valéria Ribeiro Borges, de 33 anos, dá aula para apenas oito alunos de sete a dez anos, na bem instalada EMEF Bairro Costeira da Barra, cercada de telas contra insetos. Nos fundos da escola, doutor Aziz atende os ribeirinhos num pequeno consultório.

Pacientes não faltam para o médico que virou uma espécie de ING (Indivíduo Não Governamental). Azis agora paga do seu bolso para trabalhar na Juréia (aluguel de casa e combustível), depois de ser demitido da Prefeitura de Iguape no final do ano passado.

Compra também remédios para os doentes e faz do seu carro ambulância nas emergências. Belo e estranho lugar este, onde a natureza ainda sobrevive com mais saúde do que os humanos.

Em março, não percam a história completa do médico ambulante Azis Miguel Filho, um brasileiro fora de série.

Em tempo: são tantos assuntos, que acabo me esquecendo de avisar. Desde segunda feira, está no ar no site de J&Cia (www.jornalistasecia.com.br) a íntegra da entrevista com Alberto Dines da qual participei junto com Eduardo Ribeiro e sua equipe.


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