Era 1987. Nos Estados Unidos, um brasileiro recebia um dos mais prestigiados títulos do automobilismo mundial. O Rookie of the Year – ou “o melhor estreante do ano” – era entregue a um piloto paulistano moldado nas curvas do Pacaembu: Luiz Evandro de Campos.

Hoje, aos 67 anos, o Águia, como é conhecido, não é lembrado apenas por esse feito, que ajudou a abrir as portas para os corredores brasileiros no exterior, mas, principalmente, por sua história que se confunde com a evolução do automobilismo no Brasil.
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Águia pilotou nas pistas todas as marcas de carro de passeio do País entre as décadas de 1960 e 1990. Isso significa que chegou a limites de velocidade a bordo de modelos como Fuscas, Chevettes, Fiats 147, Passats, Mavericks e Opalas, e testou a resistência de muitos outros, como o antigo Corcel, no rali. Experiência que serviu tanto para o aprimoramento dos carros quanto do esporte.

Com formação em Engenharia e, na época, já detentor do título de campeão brasileiro de rali, Águia foi escolhido pela extinta Engesa, fabricante nacional de jipes, como consultor para fazer pesquisas sobre o desenvolvimento de um automóvel ideal para enfrentar o rali mais famoso do mundo, o Paris-Dakar. Por causa dessa missão, ele acabou se tornando o primeiro brasileiro naquela prova, em 1985. Não participou como competidor, mas fez todo o percurso. Passou dez dias no deserto e aprendeu muita coisa. “Encontrei corredores de Fórmula 1 que participavam da prova e me deram muitas dicas, por exemplo, sobre como evitar trancos nas dunas do deserto, elevando a suspensão”, conta. “Na volta ao Brasil, o jipe foi montado com base no que tínhamos visto lá fora, mas, infelizmente, no ano seguinte, a Engesa teve problemas financeiros e fechou”, conta.

Águia também foi o primeiro brasileiro a participar de provas de endurance (longa duração). E pegou gosto pela coisa. Participou no Brasil de todas as competições desse tipo, entre elas as 25 Horas de Interlagos, os 1.000 km de Brasília e os 1.000 km de Goiânia. “Nessas provas de resistência, você tem de andar no seu limite por 10, 15, 20 horas. E é preciso tomar cuidado para não quebrar o carro. A experiência que eu tinha do rali me ajudou muito”, afirma.

A paixão pelo volante é uma herança de família. Águia cresceu assistindo ao pai, um médico que gostava de velocidade, a acelerar com seu Renault 4 CV.

No fim da adolescência, no bairro de Perdizes, em São Paulo, onde morava, Águia costumava pegar a perua DKW de 900 cilindradas emprestada do pai para arrancar na Avenida Pacaembu em companhia de amigos, que, como ele, eram aficionados por automóveis: Wilsinho Fittipaldi e Paulo Martinelli. Além de frequentar a lanchonete Hot-Rod, na Rua da Consolação, eles e outros amigos que compartilhavam da mesma paixão gostavam de assistir às corridas em Interlagos. “Uma vez, como conhecíamos o segurança do autódromo, eu e o Paulo Pardal entramos em Interlagos de madrugada e corremos com o Chevrolet Bel Air do pai dele”, relembra.

Ao completar 21 anos, Águia passou de expectador a protagonista das pistas. A estreia aconteceu no dia 5 de julho de 1964. Ele sagrou-se vice-campeão do Grande Prêmio Vitória da Democracia, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, com o fusca da mãe. Dividiu o pódio com os amigos Élvio Ringel e Paulo Pardal. O apelido Águia ele ganhou nessa época do amigo Camilo Christófaro, habilidoso piloto e então presidente da Associação Paulista dos Volantes de Competição (APVC). “Ele falou que se meu amigo era o Pardal, então eu seria o Águia”, relembra.

Em dupla com Pardal, Águia disputou as Mil Milhas Brasileiras no ano seguinte com seu primeiro carro, comprado à prestação com financiamento da Caixa Econômica Federal. Era um Gordini Teimoso, da Willys. “Quando tinha corrida, eu transformava o Teimoso na oficina. Colocava câmbio, motor, amortecedores mais duros e pneus especiais. No outro dia, tirava tudo e o carro ficava pronto para usar no dia a dia”, conta ele.

No início da carreira de 27 anos ininterruptos, Águia conciliava a vida de piloto com a de engenheiro. Mas em 1982 aconteceu a grande virada. Em uma oportunidade de negócio, Águia vendeu sua empresa de engenharia, passando a se dedicar inteiramente ao automobilismo. A partir daí vieram seus principais resultados: campeão brasileiro de Rali de Velocidade (1982), vice-campeão das Mil Milhas Brasileiras (1983) e campeão paulista de Marcas e Pilotos (1986).

Uma das provas de que ele se lembra com mais carinho são os 1.500 km de Interlagos, no ano de 1971 – uma prova em que ele pilotou durante mais de 13 horas. Nessa competição, Águia correu com um carro fabricado por ele mesmo e seus amigos. O protótipo Kinko, vermelho e opulento, foi obra de Salvatore Amato e dos irmãos Takeo e Shiro Tamaki, da Kinko, uma oficina mecânica que ficava localizada na Avenida Rouxinol, no bairro paulistano de Moema. “Esse carro foi sensacional. Entre 60 competidores, terminei em primeiro lugar na categoria mecânica nacional e quarto na geral. Perdi somente de BMW e Alfa Romeo”, afirma.

Vinte e três anos após sua estreia em Interlagos, Águia realizou um antigo sonho: seguir carreira internacional. Após conhecer nos bastidores de uma prova nos Estados Unidos os pilotos Les e Mark Behn (pai e filho), ele foi convidado para fazer um teste em Riverside, Califórnia. Aprovado, fechou contrato para disputar a temporada de 1987. “Participei do campeonato inteiro. Apesar de não ter sido campeão, ganhei naquele ano o Rookie of the Year“, relembra.

Em quatro anos, Águia correu 50 provas nos Estados Unidos e no Canadá. Ele participou de preliminares da F1 e da Fórmula Indy. A maioria das competições era de longa duração.

Os prêmios generosos (cerca de 100 mil dólares por corrida) sustentavam Águia nos Estados Unidos, que ainda contava com o apoio da família Behn.

Aos 49 anos, quando deixou as pistas, Águia contabilizava 250 provas entre pistas e rali. O campeonato derradeiro aconteceu no Canadá, em 1991 – as 24 Horas de Mosport Park. Águia foi vice-campeão pilotando um Honda Civic 1.6.

Logo após deixar as pistas, abriu uma escola de pilotagem – uma representação da canadense Spenard David Racing School (hoje Bridgestone Racing School) que preparava atletas brasileiros. “Dois pilotos brasileiros formados por nós foram campeões, após disputarem contra americanos e canadenses”, afirma.

Em 2004, Águia voltou às pistas em uma competição de carros antigos organizada por ele e alguns amigos. O intuito do Historic Racing Cars era resgatar a história do automobilismo brasileiro. Nem precisa dizer que ele ganhou o campeonato. E se aposentou pra valer. Águia se lembra com emoção: “Corri sem patrocínio. A única marca no carro era Nossa Creche Perdizes, uma ação voluntária que ajuda 16 crianças desde que tinham quatro anos. Hoje, estão com 13 anos e vamos levá-las até a universidade”.

Mas Águia não consegue viver longe das pistas. Quando está em São Paulo – ele mora atualmente em Florianópolis (SC) -, costuma assistir às corridas de carros antigos no Autódromo de Interlagos e mata a saudade do asfalto. Algumas vezes, é seu Willys que puxa a fila como carro-madrinha.

O cavaliere das carrocerias


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