Um acidente aéreo em 1959 tirou a vida do fotojornalista Luciano Carneiro. Aos 33 anos, o menino prodígio de Fortaleza morria próximo à cidade do Rio de Janeiro, quando retornava de um trabalho em Brasília: fotografar o primeiro baile de debutantes da nova capital, antes de sua inauguração. No entanto, Luciano deixou uma série de reportagens memoráveis feitas para a revista O Cruzeiro, onde trabalhou entre 1948 e 59. Iniciou como repórter de texto e depois foi para a fotografia. Com um time de profissionais – José Medeiros, Flávio Damm, Luiz Carlos Barreto, Henri Ballot e Eugênio Silva –, transformou o fotojornalismo, deixando de lado o “espetáculo” de Jean Manzon (1915-90), considerado o precursor do fotojornalismo moderno no Brasil na mesma revista, para se voltar para uma fotografia mais jornalística e humanista.
Jovem inquieto, jogador de xadrez, piloto de avião e paraquedista, Luciano cobriu guerras e conflitos ao redor do mundo: “Em 1951 e 1952, esteve na Coreia do Sul, sendo um dos únicos repórteres sul-americanos presentes no conflito. Em 1959, acompanhou Fidel Castro na sua entrada em Havana”, diz Sergio Burgi, curador da mostra Do Arquivo de um Correspondente Estrangeiro junto com Joanna Balabram. São 150 imagens cedidas pela família ao Instituto Moreira Salles. Um trabalho que se destaca pela estética de Luciano, uma busca que se aproxima de Robert Capa (1913-54), lendário fotógrafo da Magnum cujo lema era: “Se sua fotografia não ficou boa, é porque você não chegou perto o suficiente”. É essa a impressão que temos ao olhar as imagens de Luciano Carneiro, que começou com uma Rolleiflex para, em seguida, adotar a Leica, câmera dos fotojornalistas daquela época. Percebemos em suas fotografias uma vontade de contar histórias, como sua reportagem na União Soviética em que mostra rostos, pessoas, movimentos. Ele se aproxima do objeto, o cerca, registra, aponta, procura o melhor ângulo e nos fornece uma fotografia que emociona.
Também bebeu dos ensinamentos de Chico Albuquerque (1917-2000), primeiro fotógrafo publicitário brasileiro, mas que no Ceará ensinou fotojornalistas no jornal O Povo. Além disso, Luciano, em 1955, acompanhou na África o trabalho de Albert Schweitzer (teólogo, músico, filósofo e médico alemão), premiado com o Nobel da Paz três anos antes. No Brasil, Luciano fotografou os jangadeiros, a seca e os herdeiros do cangaço.
Autodidata na fotografia, estudou Direito. “Percebemos em suas imagens que era um fotógrafo com certo referencial, com ferramentas, com conhecimento para realizar suas reportagens”, afirma Burgi, que, para a exposição, preferiu selecionar as reportagens que Luciano realizou no exterior como correspondente.
Mas talvez as 18 matérias que escreveu e documentou para O Cruzeiro a partir de 1954 tenham sido sua inovação. Ele mesmo escolheu o título da série, que também dá o nome da mostra. Nos textos e imagens, fotos alheias às coberturas, fotos de rua de um olhar leve e nas quais ele expõe suas opiniões. Em um dos ensaios, em que aparece uma imagem do casamento do produtor de cinema Luiz Carlos Barreto, em Paris, com sua mulher, em um momento solitário na igreja, Luciano explicou o que era, para ele, a fotografia: “Em cinco anos de viagem pelo mundo, colhi muito material no gênero que não pôde figurar em minha colaboração normal para esta revista. Agora, venho tomar conta de duas páginas para fazer desfilar parte deste material. Meu Deus, a vida é tão rica de sugestões, há tanta poesia perdida até mesmo no meio da rua que basta a gente manter os olhos abertos e a máquina pronta para selecionar imagens que tenham significação e assim interpretar a vida. Eis a fórmula. O resultado, este depende da sensibilidade e da experiência do homem que fica por trás das lentes”.
Uma exposição de fotojornalismo, imagens de um tempo no qual a fotografia era a informação primordial para saber o que acontecia no mundo. Mas, acima de tudo, é um relato de memória. Histórias de pessoas e personagens que não podem ser esquecidos.
Do Arquivo de um Correspondente Estrangeiro – Fotografias
de Luciano Carneiro
Instituto Moreira Salles. Rua Piauí, 844, 1° andar, São Paulo. Até 19 de junho
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