A vida da cantora e compositora Gabi Buarque tem entrelaços com Chico Buarque de Holanda. Não só no sobrenome. O avô de Gabi, Nelson Buarque Cavalcanti, era de Porto Calvo, região litorânea que já pertenceu a Pernambuco e hoje é de Alagoas, onde surgiram os primeiros Buarque de Holanda. Também era de lá Fernandes Calabar (1600-35), senhor de engenho que esteve ao lado dos portugueses nas batalhas contra os holandeses e depois foi para o outro lado. Chico Buarque contou, ao lado do moçambicano Ruy Guerra, essa saga na peça Calabar, o Elogio da Traição, de 1973.
Gabi Buarque integrou o grupo carioca Mulheres de Chico por três anos. Também fez show entremeando a arte do músico e escritor com o poeta Fernando Pessoa em Gabi Buarque Canta Chico, Versos Pessoa. Parentes distantes, Gabi e Chico só se viram uma vez. “Da família, só conheço Cristina Buarque, pois gravei com ela. Chico só vi na festa dos 70 anos do Milton Nascimento, em que caí de paraquedas, mas todo mundo congelou. Quando me perguntam se sou parente dele, digo que tenho um parentesco, mas que ele ainda não me conhece.”
Seu pai, José Jorge, engenheiro e poeta, escreveu versos para a filha para dizer a ela que fosse em frente, sem medo. E sem medo, Gabi, aos 32 anos, compõe, toca, canta e cria seus shows. Discos já são dois: Deixo-me Acontecer (2011) e Fiandeira (2014). Com a palavra, Gabi Buarque.
Brasileiros – Quando soube que a música seria sua vocação?
Gabi Buarque – Aos 11 anos entrei no coro de uma escola, no Rio. Depois fui para o coral do Sesc Tijuca. Mas não dava tanto a cara à tapa. Estava escorada em outras vozes. Aos 17 anos, comecei a estudar canto na Escola Villa-Lobos. Eu gostava de cantar e rolava um retorno das pessoas. Fui me aprimorando, projetando mais a voz. É uma estrada e tanto. Também estudei Desenho Industrial, que me é útil para a confecção das artes das capas dos meus discos.
Como chegou ao grupo Mulheres de Chico?
Já tocava violão e cavaquinho. Nessa época estudava na Escola Portátil de Música. Encontrei com as meninas em um teste de comercial para a TV, em 2010. Era para a Natura. Eu passei, elas também. E, como uma cavaquinista ia sair do grupo, entrei como substituta. Como também canto, logo fui integrada ao grupo. Foram três anos. Viajamos pelo Brasil e o Carnaval era um estouro. Com essa experiência, ganhei contato com o palco.
Qual sua opinião sobre Chico Buarque?
Conheci mais o trabalho dele quando desenvolvi o projeto Gabi Buarque Canta Chico, Versos Pessoa, em 2011, que mostra um lado B dele, porque apresento canções menos conhecidas, todas dialogando com poemas de Fernando Pessoa. Chico é um grande melodista, fala do cotidiano e as pessoas se identificam com isso, toca na ferida. Chico tem grande genialidade.
Você só mexe com gente grande, Fernando Pessoa, Chico, Bethânia… É corajosa?
Quanto a Maria Bethânia, um amigo me desafiou a cantar músicas que ela interpretou, e eu topei. Esse show foi especial, com o pianista Tomás Improta. Acrescentei poemas só de mulheres, como Simone de Beauvoir, Clarice Lispector, Hilda Hilst e Alice Ruiz. Mas, ao mesmo tempo, reverenciando Bethânia. Gosto desse lado de montar o roteiro. O palco tem sua importância. Não sou mais ou menos importante por estar ali, mas não quero nada engessado, distanciado.
Você conhece Bethânia?
Não, eu tremeria toda se ela estivesse na plateia. Ela é uma pensadora importante. Monta roteiro muito bem, pesquisa poemas, tem compromisso com a palavra.
Quais intérpretes emocionam você?
Se passam a mensagem que querem passar, já me conquistam. Não precisa ter um timbre tão marcante. Com o tempo, fui conhecendo Aracy de Almeida e vi que ela é grande intérprete, com um timbre peculiar. Emociona. Joyce é influência para mim. A música Alguidar, do meu CD Fiandeira, era chamada antes Joyceana. Adoro Fátima Guedes, Nana… A família Caymmi abre a boca e eu me arrepio. Mônica Salmaso também. Gosto de Mercedes Sosa… Sou muito brazuca, admiro demais Linda Batista, Gal Costa, Carmen Miranda, que tinha esse lado teatral com o qual me identifico.
Concorda com o fato de serem raros os intérpretes masculinos no Brasil?
Existem grandes cantores que estão na Lapa e em outros locais, como Zé Renato, Renato Braz, Marcos Sacramento, Alfredo Del Penho, Moyseis Marques. A impressão que dá é que a música brasileira parou em Chico e Bethânia. Não é verdade.
Falta uma Elis Regina para dar chances aos novos?
Ela falta sempre, mas cantoras também são compositoras. Sou uma delas e não há grande destaque para ninguém.
Fale de seu mais recente álbum, o Fiandeira, que tem um tempero mineiro. Tem não?
Tem a ver com referências. Gosto muito de música nordestina, dança popular. Mas Fiandeira toca o lado mais sensível das pessoas. Não é um tipo de música para vender, é todo construído, tentando respeitar o processo da criação. O arranjador dá uma realçada no que tem de genuíno. O disco fala de folclore, minhas influências do interior, da natureza, do cotidiano. Tem uma parceria com Iara Ferreira, que também tem essa pegada.
Tem viajado com sua música?
Sim, queria apresentar o Fiandeira em São Paulo, mas recebi um convite para cantar no Japão, que valoriza nossa música. É um projeto para este ano ainda.
Você toca violão e cavaquinho. Qual prefere?
Antes, como o violão é mais pesado, andava sempre com o cavaquinho. Se vinha inspiração, já estava com ele. Agora voltei para o violão porque a parte harmônica é mais completa. No começo, apareciam letra e música. Agora faço a melodia e alguém coloca a letra.
O melhor e o pior de ser cantora…
O melhor é a facilidade em dizer o que se pensa porque as pessoas valorizam quem está no palco. Então, tenho cuidado com as coisas que falo, procuro dar minha opinião sem agredir. O ruim é o de parecer que no palco não existe espaço para erros, fraquezas, tristezas. Ao mesmo tempo, cada música pode remeter a um acontecimento e isso pode prejudicar de certa forma. Gosto de cantar, mas estando bem, inteira. Sem ser um produto que só traga coisas boas. Canto para 200 pessoas e, quando acaba e vou para a casa, fico com uma sensação louca de solidão.
Como alguns cantores e cantoras aparecem na mídia, não necessariamente sendo os melhores?
Não penso muito sobre isso, mas deve haver um motivo. Quando o trabalho é embasado, tem consistência, ele consegue subsistir, mesmo sem apoio da mídia. Tem artista que fica frustrado por não estar na Globo, mas acho que meu trabalho não vai ser menor por não estar lá. Deve ser um fardo ter de fazer só sucesso.
Você iria a um programa como The Voice
Não, tenho 15 anos de história e uma vírgula mal colocada pode acabar comigo.
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