O Braga tem lá suas particularidades. Enquanto a maioria dos homens prefere mulher na cama, ele prefere mulher na banheira. Já disseram que ele sofre de “nostalgia amniótica”. Bobagem, o Braga apenas gosta de mulher na água, enquanto outros gostam de mulher no seco.
O Braga, nessa questão de banheira, tem método. É rigoroso e inflexível. Como um serial killer, sai sempre às quartas-feiras, às seis da tarde. Vai a bares em que moças aparecem cedo, porque as coisas com ele sempre terminam às dez. Se não sair do bar com a mulher até as sete, conversa um pouco e marca encontro para outro dia. Tem mais. O Braga não sai com mulher com mais de 1,70 m ou mais de 60 kg. Não dá certo na banheira, ele tem experiência.
Com tantas restrições, parece tudo muito difícil. Mas não, o Braga caminha bem no universo feminino. Tem talento, o desgraçado. É boa pinta, inteligente e, sobretudo, sabe fazer mulher rir. É o que basta.
O que parece impossível para outros, não é para o Braga: conhece uma mulher às seis, sai do bar às sete e já está na banheira às oito. Incluídas aí as rigorosas preliminares de seu roteiro: comer banana e dar uma alongada. Sem isso, o Braga não entra na banheira. É câimbra pela certa, diz ele, que às vezes até usa joelheira. Ele vem nessa toada há tempos e não se atrapalha. É habilidoso, o danado.
Na vida do Braga predomina a Paula, sua mulher, que justo nas quartas à noite faz turno de voluntária no CVV. Atende emergências de suicidas, deprimidos, perversos e psicopatas em geral. Serviço tenso que a deixa exausta, coitada.
Mas não foi a Paula quem se assustou com o Braga naquela noite, foi a Solange, uma jornalista morena ajeitada que ele conheceu no Piratininga. Ele a encontrou só, tomando um chope logo às seis da tarde. Sentou-se na mesa ao lado e, em poucos minutos, já discorria sobre os novos paradigmas da comunicação, pós-modernismo e o escambau. Cativante, às sete já saía do bar com a moça para ver o vídeo do Mark Knopfler e da Emmylou Harris na casa dele, ali perto. Serviu Amarula nas pedras, acompanhado de rodelas de banana. É assim em Cape Town, mentiu.
Beberam bem e, de repente, ele a convidou para alongar. Alongar?, disse ela. Porque a banheira não é grande, respondeu ele com irresistível sinceridade.
Não tardou muito e lá foram eles para a banheira à luz de velas, com incenso de sândalo e o Amarula. O Braga entende do assunto.
A tal Solange além de rosto e corpo tinha cérebro, a danada. Discorreu sobre blues, country e rock. Ficaram entretidos naquilo e o tempo voou. Despertaram do sonho às 10h30 com a Paula batendo na porta: Taí faz tempo, amor?.
Ele tapou a boca da Solange e respondeu: Entrei agora mesmo, vou dar uma relaxada. A Paula disse: Então escovo os dentes depois.
A Solange, com os olhos, indagou: Quem é ela?. Ele respondeu no ouvido dela: Minha mulher. Ela sentiu gana de emascular o Braga. Mas, ficou quieta. Imóvel. Nas circunstâncias, ele era seu único aliado. Apavorada, juntou forças e sussurrou: E agora?. Ele pediu silêncio absoluto: a Paula estava exausta, coitada, precisava descansar. Ademais, eles precisavam sair dali vivos, exagerou. Em meio ao silêncio, vieram lá do quarto umas perguntas rotineiras da Paula. Ele respondeu todas com estudado enfado.
Depois foi o silêncio. A água esfriando e eles ali imóveis, gelando. A Solange, na cautelosa meia hora de espera, despertou para os curiosos meandros da vida. Cresceu. Nunca agradeceu o Braga por aquilo, a ingrata.
No dia seguinte, durante o café da manhã, a Paula, que tem seus 65 kg, muitíssimo bem distribuídos em seus 1,75 m, comentou que poderiam reformar o banheiro, comprar uma banheira maior. O Braga, com ar casual, disse: Boa ideia.
Fizeram a reforma. Ela largou mão da farsa CVV e ele das incursões de quarta. Viveram felizes por muitos e muitos anos. Não todos os anos, nem o tempo todo, claro.
*Engenheiro civil, professor titular da Escola Politécnica da USP. Dedica-se também à literatura.
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