Quantas atividades você consegue administrar ao mesmo tempo? Ler um e-mail importante, enquanto se atualiza no feed de notícias do Facebook e Twitter e, claro, por que não uma olhadinha no celular ou até mesmo, enquanto tudo isso acontece, atender um telefonema, anotar recados e ainda dar uma mordida no lanche? Dá para fazer tudo isso ao mesmo tempo? “Claro!”, dirão em uníssono e orgulhosa a maioria das pessoas. Mas pesquisas e especialistas apontam que 98% delas e, provavelmente, você está fazendo isso errado. E bem errado.
Segundo um levantamento da OnlineCollege.org (onlinecollege.org), esse estilo de vida multitasking pode ser nocivo. O termo emprestado do mundo da informática quer aproximar nosso comportamento, ainda humano, próximo ao das máquinas. Ou seja, assim como os brilhantes computadores, nós também poderíamos – e numa boa – fazer várias e diferentes coisas ao mesmo tempo. Só que não.
Na média, os profissionais que utilizam um computador para trabalhar se distraem uma vez a cada dez minutos. A situação parece piorar quando os resultados apontam para certa obscuridade cerebral: tentar focar em mais de uma coisa simultânea pode levar a uma queda de 40% da produtividade e mais, pode levar você a perder dez pontos em seu querido quociente de inteligência, o tal QI. O que isso quer dizer? Bem, com o pesado multitasking dos dias atuais podemos estar regredindo, ou o que pessoas mais diretas diriam: estamos emburrecendo.
“Não há pessoas multitasking, há pessoas multirasas”, afirma categórico o psicólogo Dr. Cristiano Nabuco de Abreu, Coordenador do Grupo de Dependência Tecnológica do Programa de Transtornos do Controle dos Impulsos do Hospital das Clínicas de São Paulo e também um dos autores do livro “Vivendo Esse Mundo Digital – Impactos na Saúde, na Educação e nos Comportamentos Sociais”, da editora Artmed. Para ele, o multitasking, tão bem-visto como uma habilidade no mundo profissional, é ilusório. “O individuo salta o foco de uma coisa para a outra”, afirma. Ou seja, não há como demandar atenção a tarefas complexas ao mesmo tempo e querer se sobressair em tudo.
Cristiano Nabuco defende um pensamento próximo ao de Nicholas Carr, autor de “A Geração Superficial”. Para o psicólogo brasileiro é preciso ter cuidado e educação para não nos tornamos “zumbis tecnológicos”. “Há uma linha de pesquisa que defende que não houve uma geração tão rápida como a de hoje e que não se consome tanta informação como hoje. Mas informação não significa conhecimento”, alerta Cristiano.
Armadilhas do Multitasking
Não é raro encontrar a jornalista Dani Arrais, criadora do blog Don’t Touch My Moleskine e co-fundadora da empresa Contente, se dividindo entre telefonemas do trabalho ao mesmo tempo que dedica sua atenção para responder os e-mails mais urgentes. “Sonho com o dia em que eu consiga simplesmente comer, sem ouvir música e dar uma conversadinha no Whatsapp ao mesmo tempo”, conta.
Dani vê sua vida centrada em telas. “E isso é um perigo!”, avalia. “A gente vive em um tempo em que ser multitasking parece sinônimo de máxima eficiência. Eu sempre me gabei de conseguir fazer várias coisas ao mesmo tempo, mas, quanto mais o tempo passa, mais percebo que isso é uma armadilha, pois fazer a gente faz, mas em um tempo maior, pelo menos para mim. Quando escrevo e, ao mesmo tempo, converso no Gtalk e ouço uma palestra, demoro muito mais. Se deixo tudo de lado e me concentro, voilá, o texto flui muito melhor”.
Em seu outro livro “Dependência da Internet – Manual de Guia de Avaliação e Tratamento”, Nabuco ao lado da psicóloga e especialista em Distúrbios da Internet, Kimberly S. Young, também defende que o princípio básico da multitarefa não está na mesma conta matemática que a eficiência. “A eficiência não aumenta, pois simplesmente leva mais tempo para que todas as atividades sejam realizadas quando estamos fazendo várias ao mesmo tempo. Ess atenção parcial a muitas coisas é um pouco enervante e torna menos satisfatórias as nossas interações com as pessoas eletronicamente conectadas”, escreve.
Dê uma chance ao monotask
O mundo é uma eterna e constante distração. Se hoje atribuímos a falta concentração à tantas telas e aplicativos, saiba que há algumas décadas um senhor andava de cabeça quente, pois sua produção não estava tão satisfatória assim. Era 1870 e o inventor da lâmpada e de inventos cinematográficos, Thomas Edison, reclamava das constantes interrupções de uma rotina entrecortada por curtos recados escritos e enviados pelo telégrafo. Além dele, Franz Kafka se estressava diante as interrupções dentro de sua casa, pois elas minavam sua escrita. E olha que na época essa atenção era dividida entre batidas de porta e vozes de seu pai.
A lição que fica de dois gênios da humanidade é que só é possível se sobressair quando os excessos são postos de lado. Não dá para focar em tudo ao mesmo tempo. Quando Thomas Edison focou em uma coisa de cada vez, deu início a uma vida intensamente produtiva: patenteou mais de duas mil invenções.
Atento a essa ditadura do multitasking, o designer italiano Paolo Cardini elaborou uma espécie de capa para Iphones que reduziriam suas funções em sua essência. Com ela só é possível fazer ligações ou usar, por exemplo, a câmera fotográfica. Em uma palestra do TED, ele defende sua invenção: “Eu sei que pode soar bem esquisito falar sobre mono quando o número de possibilidades é tão imenso. Mas eu te incentivo a considerar a opção de focar em apenas uma tarefa ou talvez desligar totalmente seus sentidos digitais”.
Supertasker?
Uma pesquisa levantada pela Universidade de Utah chegou a conclusão, após avaliar 200 alunos da universidade, que há pessoas com capacidades múltiplas e simultâneas. A experiência acadêmica se debruçou num simulador de tráfego urbano de alta definição, onde as pessoas precisavam dirigir em uma rodovia virtual e falar ao celular ao mesmo tempo. Resultado? 95% das pessoas teriam provocado um acidente catastrófico no trânsito enquanto 2,5% dos participantes receberiam a medalha da rainha pela excelência de um agente 007.
Mas por que algumas pessoas são multitarefa? Ainda não se sabe ao certo. Mas as sugestões se concentram na plasticidade do cérebro. Talvez supertaskers tenham desenvolvido uma hipereficiência nessa área da simultaneidade às custas de outras habilidades de processamento.
Mas se você não for um super-herói da era digital, não se estresse. É bem possível que sua vida possa ser mais prazerosa se você focar em uma coisa de vez. A jornalista Dani Arrais recorre a uma simples agenda para não ser engolida pelos excessos. “Anoto absolutamente tudo, de ‘ir à academia’ a ‘assistir uma palestra do TED’. Quanto mais realista, melhor fica a agenda. Não adianta escrever tarefas grandes e impossíveis de realizar num dia, então prefiro pegar um assunto e dividi-lo de uma forma que, a cada vez que ele estiver no foco, avance um pouquinho”, ensina.
Em tempos de 900 mil aplicativos disponíveis na Apple Store ou Google Play, não nos permitimos mais a simplicidade do tédio ou aquele momento de reflexão que, na maioria das vezes, é produtivo. O psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu recomenda certa disciplina: “a restrição estressa, mas a tecnologia não precisa estar sempre a nosso dispor”. Então, da próxima vez que você achar que está sofrendo de FOMO – Fear of Missing Out, respire fundo e foque no que realmente importa.
Leia também A era dos ansiosos e Apocalípticos e integrados.
Crédito da foto da vitrine – http://bit.ly/15cZM8O – Creative Commons.
Deixe um comentário