Uma conversa com Oscar

No documentário José e Pilar, o escritor José Saramago diz se aborrecer ao falar sobre literatura, preferindo discorrer sobre o mundo, pois sobre ele é preciso discutir. Na cobertura no Posto 6 de Copacabana, Rio de Janeiro, de onde da janela dá para ver as curvas da Princesinha do Mar, um modesto e otimista Oscar Niemeyer falou sobre arquitetura e reafirmou ser a favor da luta pela igualdade social, fruto para um mundo melhor.

Foi em uma pequena sala com muitos livros e um antigo computador que o arquiteto recebeu o repórter da Brasileiros e o cineasta Guilhermo Planel, que realiza o documentário Mais Náufragos que Navegantes, sobre os direitos humanos na América Latina.

A entrevista era só um item do movimentado expediente do arquiteto, de oito horas diárias. Aos 104 anos, Niemeyer faz questão de cumprir essa agenda de segunda a sexta-feira.

Ao ouvir que a pauta era sobre as diversas faces da luta pelos direitos humanos na América Latina, Oscar, como prefere ser chamado, afirmou: “Fico com vontade é de ouvir vocês falarem a respeito. Sou somente um arquiteto”. Mas, em seguida, emenda que está na luta contra a desigualdade social desde jovem e passa a falar da revista Novos Caminhos, que vem editando com a mulher, Vera Lúcia Niemeyer, há quase três anos. “É um trabalho com pretexto de arquitetura, mas está voltado para discutir e estudar os problemas da América Latina”, diz ele.

O arquiteto cerra o semblante quando fala dos problemas sociais vividos pelos latinos, a miséria e a opressão, o direito à vida. Mas discorre com disposição sobre seu projeto arquitetônico para os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública), planejados por Darcy Ribeiro no primeiro governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro – ele foi governador do Estado entre 1983 e 1987 e 1991 e 1994. “A arquitetura deve se aliar à luta pela igualdade dos povos. Os CIEPs foram muito bem desenvolvidos por Darcy, dando apoio àqueles que não tinham dinheiro para melhor estudar. Portanto, Darcy fez os estudos e eu, os projetos. Mas, infelizmente, o que era para ser feito no Brasil inteiro foi interrompido até no Rio de Janeiro pelos governos posteriores. Agora, a presidente Dilma está interessada em dar continuidade.”

Niemeyer aproveita e comenta sobre os últimos mandatos presidenciais e do atual: “O Lula chegou na hora exata. Operário, amigo do povo, apoiou a América Latina contra o poder econômico dos Estados Unidos. Graças a ele, hoje o povo brasileiro pode sorrir. Ele é fantástico. A presidente segue o mesmo caminho. Ela, que foi ofendida pela ditadura militar, mostra um bom trabalho. O Brasil perdeu muito com a ditadura, foi um período muito difícil, cheio de malvadeza, de perseguição”.

Sobre si, Niemeyer se recorda de ter encontrado seu escritório e a redação da revista Módulo, que editava, totalmente destroçados pelos militares. Com isso, foi obrigado a se exilar, e foi recebido de braços abertos na França pelo então presidente Charles de Gaulle.

Mas não era para falar tão somente dos anos de chumbo que Niemeyer estava ali. Estava ali também para dizer o que pensa sobre o nosso País e a América Latina. “O Brasil está ótimo e tem apoiado muito as forças revolucionárias da América Latina. Nunca cheguei a imaginar que o País ficasse tão bem, pois a ditadura nos atrasou muito. A opressão retardou esse momento, mas hoje vejo que o povo está se aculturando, que estamos bem melhor.”

Nem a questão do embargo econômico a Cuba, que em 7 de fevereiro completou 50 anos, tira o otimismo do arquiteto. “Tenho esperança de ver o bloqueio cair, mas não é fácil. A luta tem sido difícil, mas a igualdade social está se espalhando pelo mundo. O mercado capitalista é opressor, impede as pessoas de caminharem, mas o homem é um ser que procura salvação na vida, com força e perseverança.”

Na renúncia ao cargo de presidente de Cuba, em 2008, Fidel Castro disse que as pessoas têm de ser coerentes como Oscar Niemeyer. Durante o bate-papo, quando o nome do cubano foi mencionado, o arquiteto olhou firme e relembrou: “Ele é sempre muito gentil comigo. Vive mandando coisas para mim, até roupa. Pessoa fantástica…”.

A entrevista aconteceu em 24 de janeiro, um dia antes das comemorações dos 85 anos de Tom Jobim. Sobre o maestro e amigo, Niemeyer deu um suspiro profundo e disse: “Tom, Vinicius e esse rapaz que fui ver recentemente em um show, o Chico Buarque, são pessoas especiais. Vieram para trazer mais leveza, mais arte a um mundo tão pesado, tão difícil, com uma firmeza de caráter e talento sem medidas”. Para finalizar, Niemeyer diz que o homem deve lutar por um mundo melhor, preocupando-se com a sua vida e também em como melhorar a alheia. “A opressão é difícil de ser combatida. A luta entre humanos é irracional. Mas somos irmãos, com a mão na mão e o coração aberto vamos vencer.”

Um retrato dos direitos humanos

A Brasileiros tem acompanhado a produção do documentário Mais Náufragos que Navegantes, do cineasta Guilhermo Planel. Entrevistamos o escritor uruguaio Eduardo Galeano e agora tivemos a oportunidade de conversar com Oscar Niemeyer.

Mais Náufragos que Navegantes, nome retirado da entrevista com o escritor uruguaio Eduardo Galeano para o filme, analisa quais são os diferentes entendimentos sobre direitos humanos e a democracia na América Latina, sob a ótica dos países que formam a região.

Além de Galeano, já foram entrevistados para o projeto Adolfo Pérez Esquivel (prêmio Nobel da Paz), Taty Almeida (das Mães da Praça de Maio, na Argentina), João Pedro Stédile (líder do MST), Dom Pedro Casaldaliga (ex-bispo do Araguaia), Manu Chao (cantor), Michel Misse (sociólogo), Universindo Díaz e Lilian Celiberti (ex-presos políticos da ditadura uruguaia). Algumas personalidades devem participar de seminário sobre o assunto no Rio de Janeiro, em maio deste ano.


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