No Mês da Mulher, o quarto capítulo da série Como Vender Este Produto Chamado Brasil destaca a história da baiana Gal Barradas. Publicitária com 25 anos de atuação, ao lado do sócio Ehr Ray, desde fevereiro de 2014, ela lidera a operação brasileira da agência francesa BETC, uma das oito maiores do mundo, responsável por contas de clientes como a luxuosa grife Louis Vuitton e a companhia aérea Air France. Criada em Paris há 20 anos, a BETC deu início, em 2011, à estratégia de expandir sua atuação no mercado global com a abertura de uma filial em Londres, constituída com sócios locais, nos mesmos moldes da transação brasileira. Ainda em 2015, a agência deve expandir os negócios em solo americano. Em 2016, a estratégia será entrar o mercado asiático.
Considerada uma das agências mais criativas do mundo, mesmo antes da parceria a BETC já despertava enorme admiração em Gal Barradas, de maneira que tornar-se sócia da empresa francesa foi decisão tranquila e, nas negociações em Paris, a empatia entre ela, seu sócio Ray e os parceiros franceses foi imediata. “A ideia da BETC é formar uma rede mundial com o mesmo comportamento da matriz. Algo que será possível por meio de, nas palavras deles, ‘gigantes locais’, ou seja, profissionais que tem um legado no mercado em que atuam e os conhece tão bem, que poderão, de fato, alavancar os negócios”, explica.
O nascimento da BETC Brasil, segundo Gal, deu-se em ano de incertezas e dos mais complexos para os negócios: primeiro, 2014 foi assolado pelas perspectivas negativas pré-Copa do Mundo; depois, mesmo com os pessimistas de plantão tendo de engolir o sucesso do evento esportivo, o mercado voltou a minguar, em decorrência das eleições presidenciais. Gal até brinca ao afirmar “o ano começou para nós em 1 de novembro” (dias após o segundo turno eleitoral, que confirmou o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff), mas o saldo do primeiro ciclo de atividades é positivo: “Abrimos as portas com um primeiro cliente, o Shopping Cidade Jardim, e sou muito grata a ele por ter enxergado na BETC não uma empresa iniciante, mas uma agência liderada por dois profissionais com 25 anos de carreira. Fez toda a diferença começar o negócio com clima de agência e trabalhos definidos. Pouco depois passamos a atender a Incorporadora Gamaro, o Catarina Outlet, empresa do grupo JHSF, e parte das publicações femininas da editora Abril. No final do ano passado, participamos de uma concorrência e conquistamos a conta da linha de nutrição infantil da Danone no Brasil. Um gol fantástico para a gente”, comemora.
Da administração ao mercado publicitário
Soteropolitana, Gal Barradas não pretendia ser publicitária. Formada em Administração de Empresas, ela fez estágio na área de marketing do extinto Banco Econômico, na capital baiana. Fato que a fez optar pela primeira de muitas guinadas em sua vida profissional. “Comecei a descobrir que gostava de comunicação e a entender a relação entre o que as marcas procuram dizer e como isso é percebido pelo consumidor. Pouco depois, passei a ter contato direto com as agências de propaganda e me candidatei, em 1989, a uma vaga na DM9, do Duda Mendonça. Era uma época muito pujante para a publicidade da Bahia, quando grandes nomes, como Duda e Nizan Guanaes, ainda estavam por lá. Duda, inclusive, foi o primeiro brasileiro fora do eixo Rio-São Paulo a ganhar um Leão de Ouro em Cannes.” Ciente de que a transição da administração para a propaganda demandaria esforços acadêmicos, Gal pretendia fazer pós-gradução na nova área e decidiu acatar a sugestão de uma tia que morava em Paris de ir estudar na capital francesa. No biênio 1991/92 ela cursou Semiótica na Université Paris 8 e concluiu seu mestrado com uma dissertação sobre a linguagem publicitária nas campanhas políticas.
De volta ao Brasil, ao lado do amigo Claudio Souza, Gal decidiu abrir em São Paulo seu primeiro empreendimento, uma produtora chamada Manga Rosa. O período era incipiente em termos tecnológicos, mas lucrativo para as empresas que exploravam negócios a partir dos limitados recursos de informática da época: “Hoje é até engraçado lembrar, mas as pessoas falavam em coisas como ‘a revolução da linguagem por meio do CD-ROM’. Um dos termos mais em voga naquela época era ‘multimídia’. Estamos falando de 1995, quando quase ninguém tinha sequer e-mail no Brasil. Mesmo assim, atendemos diversas agências e chegamos a desenvolver protótipos de lojas interativas para o Mappin. Era um negócio muito rompedor para a época e tudo era baseado no CD-ROM”, recorda.
Quase três anos depois, com a entrada de um terceiro sócio, Gal decidiu abandonar a Manga Rosa para ingressar em uma das agências mais celebradas da década 1990, a extinta W/Brasil de Washington Olivetto. Como diretora de atendimento, ela aprendeu a importância de atuar com quadros enxutos e de valorizar a eficácia dos seus melhores colaboradores. Tanto que, segundo ela, quatro pessoas eram suficientes para atender as contas de clientes como Hering, Sadia, Unibanco, Credicard e Diners Club. Gal afirma que o trabalho na agência de Olivetto foi um período “inesquecível e feliz”, mas, dois anos depois, em 2000, um novo convite, desta vez de Pedro Cabral, cofundador da AgênciaClick, especializada em mídias digitais, fez com que ela virasse a página mais uma vez, “Foi a primeira oportunidade que tive de começar a atuar no negócio de internet e resolvi caminhar para esse lado.”
A experiência durou menos de um ano. O motivo? Um convite irrecusável da F/Nazca, uma das gigantes do mercado publicitário brasileiro. “Eles buscavam alguém que tivesse amplo conhecimento em comunicação e experiência em meios digitais. Não recusei o convite e a F/Nazca acabou sendo a agência em que passei mais tempo na minha vida profissional. Foram sete anos incríveis. Tive a oportunidade de trabalhar para a Skol e participar de cases de sucesso como a campanha ‘a cerveja que desce redondo’, que está aí até hoje. Sai da agência porque pretendia atuar na gestão direta do negócio e foi então que o Grupo ABC me chamou para assumir a vice-presidência da MPM.”
O status de gestora eficiente na MPM possibilitou a Gal assumir, depois, entre 2010 e 2013, o posto de executiva da F.biz, agência criada pelo empresário Marcelo Lacerda, fundador do portal Terra. Na F.biz, ele teve a oportunidade de integrar o quadro societário e assumir o posto principal: “A agência foi fundada por investidores, tinha um modelo de capital aberto, o que possibilitou que eu me tornasse sócia e assumisse, depois, o cargo de presidente.”
Planejar é preciso
Nesses 25 anos de carreira, Gal Barradas afirma ter testemunhado grandes transformações na sociedade brasileira, especialmente no que tange à evolução do consumo, a partir dos anos 2000, por meio de inclusão social. A consequência desse processo, segundo ela, é o gradativo empoderamento do consumidor, fator imprescindível para compreender o atual momento do mercado publicitário e, nele, atingir êxitos. “Hoje, o consumidor compara produtos e tem opinião formada sobre o discurso das marcas. O brasileiro passou a ter maior poder aquisitivo, ao mesmo tempo em que foi se tornando mais consciente dos seus direitos. O que estou achando lindo, pois no dia em que impusermos ao serviço público o mesmo nível de exigência que estamos começando a imprimir para as marcas, aí, sim, a coisa irá para frente. O Brasil está apenas começando a ficar bom. Enfrentamos a crise de 2008, e temos agora sérios problemas internos, mas isso não é o fim. São tropeços difíceis, mas comuns a qualquer pátria emergente. Em termos de cidadania ainda somos um País em formação.”
Em resposta ao tema desta série de reportagens “como vender este produto chamado Brasil” Gal Barradas aponta duas questões centrais: a necessidade de planejamento e a urgência de reinventar a “marca” Brasil para o mercado externo – que ainda insiste em associar o País à desgastada trinca carnaval, praia e futebol. “O Brasil e o brasileiro não tem a cultura de planejar. Alguém é capaz de dizer que não sabia que, neste começo de ano, alguns bairros de São Paulo ficariam completamente alagados por conta da chuva?! Alguém é capaz dizer que não sabia do risco de São Paulo ficar sem água?! Questões como essas escancaram nossa falta de planejamento. Com relação à forma como os investidores estrangeiros enxergam o País, penso que é fundamental recriar a ‘marca’ Brasil. Quando falamos na Suíça logo vem à cabeça coisas como relógios de precisão e chocolates finos; na França, alta moda e cultura; na Itália, design e gastronomia; no Japão, ciência e tecnologia. Ou seja, cada um desses países promove o que tem de melhor e o Brasil parece não dar a mínima para a importância de planejar sua marca. O que se fala do País, fora dele, é aquilo que estamos cansados de saber: o carnaval, o futebol e a exuberância natural. Coisas ótimas, mas insuficientes para construir uma marca com objetivos econômicos. Temos, por exemplo, milhares de empresas com excelência no que fazem e inúmeras multinacionais que somente se desenvolvem no País pela competência dos nossos profissionais. E nós não falamos para o mundo da enorme eficiência do brasileiro. Mas estamos no início de um processo transformador e, apesar de tudo que acontece hoje, vejo o futuro do País com muito entusiasmo.” Planejamento, altivez e otimismo: três conselhos de Gal Barradas para o Brasil que, reunidos e colocados em prática, costumam ser infalíveis.
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