Uma mendiga com muito a dizer

RELAÇÕES HUMANAS Denise Fraga vive uma “moradora de praça” em novo espetáculo

Uma mendiga que recusa esmolas, é vegetariana e tem complexas concepções de mundo pode parecer irreal, quase absurdo. Mas para a atriz Denise Fraga, que interpreta uma personagem assim na peça Chorinho, de Fauzi Arap, isso revela algo que nós não queremos ver: essas pessoas existem  e têm o que dizer, mas preferimos tratá-las como invisíveis.

Partindo dessa ideia, a peça narra a história da relação estabelecida entre uma senhora rica (Cláudia Mello) e uma moradora de rua – ou “moradora da praça”, como prefere a personagem – durante os encontros casuais das duas. A relação, que começa com uma clara repulsa por parte da senhora que se sente “invadida” em sua privacidade, se torna, no decorrer do espetáculo, cada vez mais complexa e afetiva.

Em diálogos intensos – por vezes cômicos, por outras dramáticos –, surge com força um questionamento sobre a dificuldade do convívio em nossa sociedade e sobre a cegueira que temos no trato humano. “Com os mendigos a coisa é mais extrema, mas no dia a dia, até em um elevador somos capazes de entrar sem nem mesmo dizer bom dia para as pessoas”, diz Fraga, 48.

Para ela, a riqueza do texto de Fauzi Arap, que divide a direção da montagem com Marcos Loureiro, está também na diversidade dos temas que levanta, sempre de forma simples. Daí, inclusive, vem o nome da peça. “É por causa dessa cadência do chorinho, que por meio de uma coisa aparentemente leve, fala de coisas muito profundas”, explica Fraga.

A loucura aparente daquela mendiga, alcoólatra e descarada, acaba se revelando também sanidade, enquanto a estabilidade emocional da senhora é colocada cada vez mais em xeque. “Gosto muito de uma frase da personagem, quando ela diz: ‘Loucura não existe. Eles inventam esse negócio de loucura que é pra fazer a gente andar na linha’”, diz a atriz.

Ao se dizer moradora convicta da praça, a mendiga levanta também questões sobre o espaço público e a liberdade. “Para ela, a praça é casa, casa da cidade, de todos. Que é o que a gente deveria ter, a posse sobre a nossa cidade”, diz Fraga. “Eu sei que tem muita miséria, bebida, droga, frio e fome, mas tem também nessa gente algo de liberdade, de pessoas que não compactuam”, diz Denise Fraga.

O novo trabalho da atriz aparece logo depois de ela interpretar uma prostituta bondosa em A Alma Boa de Setsuan e uma mãe de família conturbada em Sem Pensar. Assim como nas peças anteriores, o humor que marca as atuações dela está bem presente em Chorinho. “Acho que o humor é um grande agente de reflexão. Se você passar uma ideia de forma bem-humorada, é como se amaciasse a carne do sujeito para dar uma boa flechada de reflexão”, afirma.


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