Em 2007, a Volkswagen lançou uma série exclusiva da Kombi, denominada Edição 50, para celebrar os 50 anos do utilitário no País. A exclusividade anunciada soou exagerada, visto que o veículo trouxe poucas distinções dos modelos ofertados até hoje. Uma pintura bicolor – vermelha e branca – e vidros verdes eram os maiores atrativos da série especial. Mas o despojamento sempre foi uma das grandes qualidades da perua lançada, em 1950, na Alemanha. Apaixonado pelos carros da montadora desde a infância, quando andava com os pais a bordo de Fuscas e Passats, o publicitário Marcello Serpa, que é sócio e diretor-geral de criação da agência AlmapBBDO, viu no lançamento a oportunidade de realizar o antigo sonho de ter uma Kombi.
Um dos profissionais mais premiados do País, no comando da Almap Serpa já ganhou mais de uma centena de Leões no Festival de Cannes, a maior premiação do mercado publicitário mundial. Recentemente, ele completou 50 anos. Aos 37, foi o primeiro latino-americano a presidir o festival realizado na Costa Azul do mediterrâneo francês e também o mais jovem presidente da história do evento. Há mais de duas décadas, é ele quem assina campanhas da Volkswagen do Brasil. Mas, muito além de sua forte ligação profissional com a marca alemã, a escolha de comprar uma Kombi foi motivada pelo fato de a perua ser um ícone de sua memória afetiva. Na adolescência e na juventude, Serpa fez várias viagens a bordo de uma Kombi com os amigos do surfe, esporte que pratica até hoje.
E não bastasse a exclusividade de integrar uma série de 50 veículos e ter sido a número 2 a sair linha de montagem, a perua do publicitário ganhou características ainda mais singulares. Assim que decidiu comprar a Kombi, Serpa produziu uma série de desenhos, todos eles com enorme carga autobiográfica, para serem pintados na carroceria do utilitário. Pretendia dar ao carro uma aparência semelhante às antigas Kombis psicodélicas, que tanto embalaram as viagens (em duplo sentido) de jovens do mundo todo, durante os anos de desbunde da contracultura. Mas em vez de impregnar o carro com desenhos lisérgicos, símbolos da paz e apologia ao flower power, Serpa estampou na lataria da Kombi imagens que marcaram sua trajetória pessoal – um desenho da mulher Joanna e o nome das três filhas, Sophia, Fabiana e Maria, a prancha de surfe, o mar, peixes, seu cachorro, a mandala tatuada no corpo.
Desenhos concluídos, faltava definir um artista para realizar a obra. E o escolhido foi um craque da pintura automotiva, o ex-piloto Sid Mosca, morto em julho de 2011 – que, entre outras célebres criações, assinou as pinturas dos Coopersucar de Emerson Fittipaldi e o famoso capacete de Ayrton Senna com as cores da bandeira brasileira, um dos símbolos do saudoso tricampeão mundial de Fórmula 1. “Foi um dos últimos trabalhos do Sid e ninguém saberia fazer igual. Ele pintou a Kombi com a mesma riqueza de detalhes que pintava os capacetes”, diz Serpa. Para atingir tal preciosismo, Mosca (que abandonou as pistas, pois sua performance de pintor dos próprios veículos era muito superior do que ao volante) precisou se dedicar ao utilitário por sete meses, sobrepondo diversas camadas de tinta automotiva aplicadas com uma pistola de pressão.
Mas a longa espera e a minúcia foram mais do que recompensadas. Por onde passa, a Kombi de Serpa literalmente para o trânsito, apesar de o publicitário raramente usar o veículo, com receio de colisões ou riscos na pintura do veículo e não ter mais como recorrer a excelência de Mosca. “Certa vez, na estrada, parei em um engarrafamento, típico de final de ano, e as pessoas saíam dos carros para tirar fotos. É um veículo de bom humor, me divirto muito e ele me faz um bem danado. Tenho planos de fazer um acabamento psicodélico no interior que ainda está intacto.” Serpa precisará incluir também o nome do caçula, Paulo, que nasceu cinco anos depois do ingresso da exclusivíssima Kombi na família. I
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