Luciana Villa-Boas, a diretora editorial da Record, a maior editora do País, é uma mulher que adora mergulhar em um desafio. Foi assim, quando há 15 anos, ela decidiu deixar o jornalismo para ir trabalhar na Editora Record. Na época, o CD-ROM estava chegando pra valer no mercado e muita gente pensava que a nova mídia iria sepultar o livro em papel. Por isso, muitos amigos a aconselharam a não deixar sua profissão de jornalista para se aventurar em algo que tinha prazo de validade. “Pensava, comigo, que valeria a pena dar um mergulho naquela experiência. Dei um mergulho, e estou aqui há 15 anos. Agora, navegando esses mares das novas tecnologias”, lembra, na entrevista que concedeu para o site da Brasileiros, no estande da Editora Record, na 21ª Bienal do Livro, que acontece em São Paulo até o próximo domingo (22). [nggallery id=14209] MAIS ESPECIAL LIVRO:
“Nasci no meio dos livros”
“Formar leitor, só no livro de papel”
Qualidade é a saída
Livro, um produto diversoO tempo provou que ela estava certa, pois o CD-ROM não substituiu o livro e tampouco se firmou no mercado. Sobre o livro digital, Luciana fala que ainda é prematuro saber como irá afetar o mundo dos negócios do livro. Mas sua preocupação maior é com o conteúdo que está vindo atrelado ao livro eletrônico. “Às vezes, me preocupo quando se fala que não só a tecnologia vai mudar, como também o próprio conteúdo. Que você vai poder buscar imagens e outras referências de apoio ao texto. Essa ideia me apavora. Acho que é uma ideia extremamente infantilizadora”.A preocupação pode parecer saudosista e exagerada, mas Luciana acredita no poder das palavras contidas nos livros, sem aparatos, que permitem ao leitor entrar em um mundo mágico, que somente a imaginação é capaz de criar. “Quero o livro lido por mim”, decreta.Brasileiros – Gostaria, em primeiro lugar, que você falasse um pouco como começou seu contato com os negócios de livros e como chegou à Editora Record.Luciana Villas-Boas – Eu fui jornalista muitos anos, até 1995. Em 1995, recebi dois convites de editoras. Um deles era da Record. Aceitei. Muita gente, naquela época, me dizia: “Mas você vai mudar para uma editora, agora que o livro vai acabar, com o CD-ROM? O CD-ROM vai fazer isso, vai fazer aquilo, tem a imagem”. E eu, enfim, achava toda aquela especulação sobre a nova tecnologia muito prematura. Pensava, comigo, que valeria a pena dar um mergulho naquela experiência. Dei um mergulho, e estou aqui (na Editora Record) há 15 anos. Agora, navegando esses mares de outras novas tecnologias.Brasileiros – Você falou uma coisa que eu não havia atinado. Quando o CD-ROM apareceu, houve muita especulação sobre o futuro do livro em papel. Esse suporte que surgia ameaçava, de certa forma, o livro em papel, o livro físico. Ele já trazia essa interatividade, presente hoje no livro digital. E como você muito bem lembrou, o CD-ROM não substituiu o livro físico…L.V.-B. – Eu acho que o livro vai conviver com o livro digital. O livro em papel vai conviver com o livro eletrônico. Às vezes, me preocupo quando se fala que não só a tecnologia vai mudar, como também o próprio conteúdo. Que você vai poder buscar imagens e outras referências de apoio ao texto. Essa ideia me apavora. Acho que é uma ideia extremamente infantilizadora. Da mesma maneira como eu não acreditava no CD-ROM, não posso aceitar que as pessoas abram mão de suas imaginações. Porque a grande graça da literatura é provocar a imaginação do leitor. É a imaginação do autor, a pura imaginação dele, que possibilita ao leitor entrar em um outro universo. Claro que isso só é possível, quando o autor trabalha com uma linguagem inteligente, cristalina, própria, original. Por meio dessa linguagem passa um mundo totalmente novo, com seus personagens novos. Enfim, tudo novo. Que por sua vez é recebida pelo leitor de outra maneira, que também, dentro dele, recria tudo isso. A ideia de algo que tenha ilustrações, vídeos, e, por isso, seja mais encantador, me deixa até entediada. Eu particularmente sou uma pessoa extremamente pouco visual nesse sentido. Gosto muito de artes plásticas, mas eu não vejo televisão. Sou conhecida por não ver televisão. Não é nenhuma postura ideológica, é simplesmente uma questão de hábito. Nunca desenvolvi o hábito de ver televisão. Se eu nunca vi televisão, por que vou querer um livro que apareça vídeos, ilustrações ou uma pessoa dizendo algo sobre aquele livro que vou ler? Eu não quero isso. Quero o livro lido por mim.Brasileiros – Você não acha que a coisa da interatividade está cada vez mais presente na vida das pessoas, principalmente dos jovens que nasceram na era digital? Veja, por exemplo, o caso dos filmes em três dimensões (3D). O cinema tradicional não é mais suficiente para atingir esse estado de escapismo. O livro digital amplia essa interatividade por meio dos vídeos, das ilustrações, fazendo o mesmo que o cinema 3D…L.V.-B. – O cinema 3D é coisa de criança. Você assiste a um filme em 3D e não quer ver mais, na maioria das vezes. Pelo menos foi assim comigo. Eu vi Alice no País das Maravilhas, do diretor Tim Burton e chega! Não quero saber disso. Não é isso que quero do cinema. Acho que esse tipo de cinema não vai pegar.Brasileiros – Eu conversei com o livreiro Pedro Herz, dono da Livraria Cultura, e ele me disse que recentemente saiu uma pesquisa , nos Estados Unidos, em que se constatou que um leitor que lê um livro digital demora mais tempo do que um livro em papel. Isso se deve ao fato de que o livro digital traz vários acessórios, como, por exemplo, o vídeo, a ilustração, a internet, que desviam a atenção do leitor. O que você acha disso?L.V.-B. – Já vi essa pesquisa. Isso é péssimo para a leitura. Agora, estou sem meu livro eletrônico. Abri mão dele, por enquanto, até ter outro modelo melhor. Usei bastante.Brasileiros – Qual era o modelo desse leitor eletrônico?L.V.-B. – O meu é um Sony e-reader, que interessa mais para mim que um Kindle (da Amazon). Porque posso, no Sony e-reader, colocar um PDF de um texto para ler os originais (dos livros). Sou uma profissional que tem de ler originais. E isso é complicado, por exemplo, quando viajo, pois não tem como eu levar muitos prints (fotocópias dos livros). Mas, mesmo assim, voltei às minhas fotocópias, porque o meu aparelho deu para descarregar a bateria. Se eu passo algum tempo sem ler no meu aparelho, quando vou ligá-lo, ele geralmente está com a bateria descarregada. Acabei deixando de lado. Mas vou querer outro aparelho, porque preciso, como editora. Por enquanto, não é algo que realmente tenha conquistado meu coração. Eu ainda prefiro muito o livro de papel.Brasileiros – Como a Record vem se adaptando ao mundo do livro digital?L.V.-B. – A Record se associou às editoras Sextante e Objetiva para fundar a DLD, uma empresa que faz as transformações dos livros em papel para uma plataforma digital, e-books. A partir daí, vai vender para as livrarias.Brasileiros – Como você analisa a questão dos direitos autorais em um mundo dos livros digitais?L.V.-B. – Essa é a grande questão. Esse é o grande desafio: encontrar uma forma que atenda satisfatoriamente todas as partes. A nossa impressão é que o livro eletrônico não pode pagar o autor mais do que 25% do preço líquido da obra, senão vai ficar um negócio muito pouco interessante para as editoras. O que tem de ser pensado é que o livro, para se tornar um objeto de desejo, vai ter de sair também no papel. Essas vendas em papel possivelmente vão diminuir, porque haverá mais versões eletrônicas. Se diminuir, é claro que a margem de lucro será menor para o editor. Considerando que o marketing tem de ser logo de cara, no lançamento do livro em papel, nós (editoras) vamos ter de ter algum tipo de retribuição também pela versão eletrônica, senão não fará sentido.Brasileiros – E a pirataria?L.V.-B. –> Acho que esse é um dos grandes problemas no Brasil, porque brasileiro é campeão da pirataria. Fazer com que ele se acostume com a ideia de pagar algo que vai baixar eletronicamente é um desafio. Eu não sei se vai ser tão fácil. Fico preocupada até com ações como a da Saraiva. Ela está oferecendo, de graça, os livros de domínio público. Eu tenho medo danado de acostumar mais ainda o leitor a não pagar.Brasileiros – Apesar de estarmos discutindo sobre o livro eletrônico, esse processo parece que mal começou…L.V.-B. – Penso que hoje todo mundo está falando do livro digital e do seu impacto no mundo editorial. Mas acho que há ainda muita adivinhação de como será no futuro. Estão falando demais. Ninguém sabe de fato como isso se dará. Acho que a melhor coisa é conversamos daqui a um ano ou mais, para saber exatamente como a coisa está se processando. Hoje tem muita especulação em torno do livro digital.Brasileiros – Os escritores que você edita estão preocupados com o crescimento do livro digital?L.V.-B. – Sabe que ainda nem tanto. Eles confiam muito… Minha relação com meus autores é de grande confiança. Eu sinto que eles sabem que vou fazer o que for melhor para eles. Que vou sempre defender o lado do autor.
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