A vitalidade de Norberto Odebrecht é surpreendente. Aos 88 anos, o fundador das Organizações Odebrecht, uma das maiores empresas de engenharia e construção do País, participa ativamente de todas as decisões e ações da Fundação Odebrecht, que comanda desde 1997. Por isso, fez questão de recepcionar na sede da Fundação, um bonito e moderno prédio em Salvador, as jornalistas convidadas a participar da cerimônia oficial que selou a parceria entre a Fundação e a ONU para a criação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Governança Participativa, na Serra da Papuã, em Ibirapitanga (BA). O evento contou com a participação de membros dos governos municipal, estadual e federal, além do representante do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais (DPADM) da ONU, Jose Manuel Sucre.
Sempre atencioso, Norberto percorreu as salas da galeria onde está exposta a história da Odebrecht e, entre uma parada e outra para mostrar suas medalhas do Exército, contou um pouco sobre sua trajetória. Diz que o seu dia começa às 3h da manhã, “eu acordo para refletir e só depois começo a trabalhar”, e às seis horas já está em seu escritório. Adora contar histórias e falar sobre filosofia. É tão coerente com seus princípios, que abomina a tecnologia no seu dia-a-dia. “Não gosto de computador. Se mexer em computador viro técnico, imbecil. Mas tem quem faça isso para mim. Se não souber usar internet e computador a pessoa pode ir pro brejo e levar organizações inteiras para o brejo.” Avesso a aparições públicas, Norberto concedeu esta rara entrevista à qual Brasileiros esteve presente.
Brasileiros - O senhor, com toda essa disposição, espera trabalhar até quando?
Norberto Odebrecht - Chego até onde tiver metas, na hora que não tiver metas não chego a lugar nenhum. Espero, pelo menos, colocar para funcionar todo esse projeto do Baixo Sul. Acordo às três da manhã, e durmo umas nove da noite, acordo pra refletir e depois começo a trabalhar. Hoje, sou como uma criança: só trabalho e durmo. Não consigo mais ler o que gosto, por exemplo. Não tenho tempo para nada.
Brasileiros - O senhor é uma pessoa muito culta, fala muito sobre filosofia. De onde vem toda essa bagagem cultural?
N.O. - Da minha infância. O meu avô por parte de mãe era um homem muito rico. Ele fugiu da Alemanha de Bismarck (Otto von Bismarck, o estadista mais importante da Alemanha do século XIX) porque queria ser livre, não queria uma disciplina rígida. Mas no fim não teve liberdade nenhuma, se enterrou aqui para estudar, aplicar os conhecimentos dele e ajudar no desenvolvimento do Brasil. Ele fez com que minha mãe fosse para a Alemanha estudar e preparar-se para ser mãe. Foram cinco anos de estudo de como ter filhos, como criá-los, alimentá-los e prepará-los para o futuro. Aos cinco anos eu fui entregue a um pastor luterano, que passou a viver em casa. Esse homem me educou e me ensinou a base filosófica de toda a minha cultura. Tive uma educação cristã e também uma educação militar. Eu gostava do Exército, era da artilharia, mas depois tive de sustentar a família, organizar toda a família. Eu sabia que ia ter de tomar conta dela.
Brasileiros - Nessa luta atual pela sobrevivência, quais os valores que, na sua opinião, devem ser cultivados e preservados?
N.O. - Aprender a economizar o tempo, ter um foco, um objetivo, tornar produtivas as forças (a minha, a sua e a de quem está acima de mim) e ter prioridades na vida. É tudo um sistema. Eu sozinho não sou nada. Se no jogo do ganha-ganha eu quiser destruir você, se eu não fizer parceria com alguém, eu não vou para lugar nenhum, vamos todos perder. E isso vale para o Brasil. Falta cultura, educação, e somente com princípios filosóficos é possível ter isso. Se isso não tiver impregnado, a comunicação é inviável.
Brasileiros - É isso que falta no Brasil hoje?
N.O. - Sim. O capitalismo não democrático, esse capitalismo voraz que está por aí, que hoje permite que carros sejam vendidos em 72 meses… Isso é uma falsidade, é a destruição de tudo. É o capitalismo que, não contente em derrubar os grandes, agora derruba os miseráveis. É o capitalismo nocivo. Todas essas lojas que vendem com prazo são porcarias.
Brasileiros - Mas não é uma forma de essas pessoas terem acesso a bens de consumo?
N.O. - O que elas precisam é educação. Por que não dão educação? Por que temos tantos excluídos no Brasil? São 6% de ricos e 23% de classe média, o resto é excluído. A educação exige a entrada na economia formal.
Brasileiros - Como o senhor, que já vivenciou várias crises financeiras, analisa essa atual?
N.O. - Aprendi a entrar em crise e a sair de crise. Toda crise é de máxima prioridade e tenho de me concentrar nela senão vou para o chão. Temos de transformar a crise numa oportunidade. Todo problema tem uma ou mais causas, e tem sempre solução. Só temos de decidir o que é certo fazer. Todos somos produtos das escolhas que fazemos e das oportunidades que a vida nos dá. Não estão todos atrás de uma fórmula, uma moeda que não permita que se repitam as crises de 1929 e essa agora? Tem de se concentrar, ver as prioridades para sair por cima, mas para isso é preciso mais coragem do que análise. Se ficar só analisando, o tempo passa. Muita gente, principalmente os economistas, demora a entender. É preciso decidir. Tenho de compreender os limites, os riscos, mas eu tenho de ter resultados.
Brasileiros - Em sua opinião, o Brasil é um país competitivo?
N.O. - O Brasil tem a chance de ser o maior país do mundo porque ele é rico. Quem é mais rico, o Brasil ou o Japão? O Japão é mais rico em cultura, mas em termos de país é um dos mais pobres, só tem vulcão e mais nada. Nós temos matas, água, mas estamos destruindo tudo, não sabemos usar a riqueza que temos. Um dos países mais rico do mundo é o Brasil e ao mesmo tempo o mais pobre em educação e disciplina.
Brasileiros - Quando vocês perceberam que a Organização Odebrecht poderia ser colocada a serviço da comunidade?
N.O. - A organização cresceu demais, a filosofia não é mais vendida como antes, não percebem o lado nobre da coisa. A cultura e a filosofia não acompanharam esse crescimento. Hoje, 75% das famílias estão na área rural, porque lá ainda existe unidade familiar. Filho se educa em quintal, com animais domésticos, não em apartamentos nas grandes cidades, como Salvador ou Nova York. A criança aprende a filosofia da vida nesse ambiente familiar. Eu aprendi assim, pegando ovo, vendo a galinha botar, sabia, de acordo com a lua, o dia que o pintinho ia furar o ovo. Hoje a criança nem sabe que existe pintinho, ela sabe que tem ovo, mas não sabe de onde vem, não sabe que o chocolate vem do cacau, que o leite vem da vaca… é a destruição de toda civilização e cultura.
Brasileiros - A Odebrecht atua em vários países do mundo. Como vocês controlam essa expansão?
N.O. - Há autonomia. Eles não precisam nos consultar. Nós respeitamos as realidades de cada país. Descentralizamos responsabilidades, centralizamos informações e partilhamos resultados.
Brasileiros - Essa autonomia pode ter causado a crise no Equador?
N.O - Veja bem, minha tranqüilidade é tamanha que eu nem entro nisso. Sei que aqui está sendo resolvido, que é problema de dois, três, quatro anos, até que venha o bom senso daquele jovem. Hoje ele é um ditador. Ele precisa deixar de manipular o povo e o povo ainda não está devidamente aculturado para pôr os freios nele. Só isso. O comportamento dele foi o mesmo em relação à Petrobras, só que aí, ele teve mais cuidado.
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