Uma solução para a falta de alimentos

Oganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006, Muhammad Yunus, está no Brasil para participar do I Fórum Internacional de Comunicação e Sustentabilidade, promovido pela Atitude Brasil, nos dias 11 e 12 de junho, em Brasília. Conhecido como o “banqueiro dos pobres”, ele é de Bangladesh, vai completar 68 anos no dia 28 de junho e começou seu Grameen Bank emprestando US$ 27 a 42 pessoas em 1976. Hoje o Grameen é um exemplo na área de microcrédito: 7,5 milhões de pessoas são beneficiados com cerca de US$ 6 bilhões de empréstimos e 97% delas são mulheres. Até as famílias pobres de Jackson Heights, em Nova York, começam agora a ter acesso ao dinheiro fácil e barato do Grameen Bank.

Antes de vir ao Brasil, Yunus, por intermédio de uma conferência telefônica, concedeu uma entrevista a Brasileiros e à jornalista Adriana Mattos, da revista Dinheiro. A seguir, trechos da conversa.

Brasileiros – Existe hoje no mundo uma grande preocupação com a alta nos preços e com a ameaça de falta de alimentos no mundo. O que o senhor pensa disso?
Muhammad Yunus – Isso é muito sério e atinge o mundo todo. Meu país, Bangladesh, por exemplo, está enfrentando tempos difíceis porque os preços dos alimentos estão aumentando. E isso está acontecendo em muitos países pelo mundo todo. Uma das causas é o aumento do preço do petróleo, que está acima de US$ 120 o barril, e isso empurra para cima outros preços. Sobem os fertilizantes, sobem os custos da irrigação, sobe a eletricidade. Isso eleva o preço dos alimentos. Há, também, o problema da diminuição dos estoques de comida no mundo. O resultado é que ninguém quer vender seus produtos. A Índia, que costumava vender sua produção, está fechando as portas para o exterior, também o Paquistão e o Vietnã, a Tailândia está sendo bastante seletiva. E isso está sendo um pesadelo para aqueles países que dependem da importação de alimentos. E, é óbvio, são os pobres quem mais sofrem. Mesmo entre países como China, Índia, Bangladesh, Filipinas e Indonésia, onde a pobreza está diminuindo com bastante rapidez e uma nova classe está emergindo e conseqüentemente consumindo mais alimentos, mesmo nesses países produtores de alimentos os estoques começam a diminuir. E a maior pressão é sobre as pessoas que ainda vivem na miséria. Suas crianças estão sofrendo, suas famílias estão sofrendo. É necessário providenciar, com urgência, pesquisas para novas tecnologias na agricultura, novas tecnologias para a produção de alimentos. Desde os anos 1960 que nada de novo acontece na tecnologia agrícola. A ONU deveria se organizar imediatamente para enfrentar a emergência que se aproxima com a falta de alimentos. Ela deve produzir planos de curto prazo e planos de longo prazo para que essa situação não se estabeleça por mais tempo, com uma conseqüente deterioração na situação e com mais pessoas sendo afetadas. E como os países exportadores de petróleo estão acumulando uma incrível quantidade de dinheiro, graças à alta de seu produto, a nossa sugestão é que eles separem algo como US$ 10 por barril de petróleo vendido e coloquem num fundo para financiar a pesquisa das atividades agrícolas e de novas tecnologias para a produção de alimentos. Esse fundo também deveria servir para fornecer créditos para os países pobres importadores de petróleo e, com isso, ajudar a reduzir seu endividamento. Isso também tem de ser enfrentado para que o dinheiro não continue jorrando em uma única direção. Ou seja, todas essas decisões têm de ser tomadas ao mesmo tempo, para evitar uma piora do quadro.
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Brasileiros – É possível eliminar a pobreza de uma vez por todas?
M.Y. – Acredito que sim. Nós aprendemos que um banco pode apenas fomentar programas para a elite, mas nós dissemos: “Não, os bancos podem trabalhar com os pobres, e até mesmo com mendigos, emprestando dinheiro aos mais pobres, aos pedintes”. Hoje o Grameen Bank tem 7,5 milhões de tomadores de empréstimos, dos quais 97% são mulheres extremamente pobres. Elas tomam dinheiro emprestado e mudam suas vidas. Tudo o que fizemos foi criar uma modalidade, um canal direcionado aos mais pobres, e aquelas pessoas estão mudando suas vidas. Isso pode acontecer em qualquer lugar do mundo, se houver essas mesmas condições, ou seja, a disponibilização de microcrédito. E essa é apenas uma intervenção. Há muitas outras que podem ser acrescentadas a essa. Estou falando em mudança do conceito de negócio. Hoje existe apenas um conceito de negócio: aquele para gerar dinheiro e maximizar os lucros. Entretanto, existe um outro tipo de negócio: aquele para fazer o bem, ou seja, para criar uma empresa sem perdas e sem distribuição de dividendos. Criamos dois tipos de negócio e, nesse processo, estamos modificando a vida das pessoas para que saiam da pobreza.

Brasileiros – Qual a sua opinião sobre o Bolsa Família?
M.Y. – É uma aborgem diferente da nossa. Não damos dinheiro para consumo porque, se alguém toma finaciamento para fazer compras, dificilmente devolve esse recurso de alguma forma. Nós emprestamos para a geração de renda. Quem toma emprestado nosso dinheiro para uma atividade geradora de renda retira dinheiro para o consumo da sua própria renda, que foi gerada com nosso empréstimo.

Brasileiros –Tem se falado muito em sustentabilidade ultimamente. Qual é o significado dessa palavra?
M.Y. – Para nós, sustentabilidade significa poder andar com as próprias pernas, sem depender de ninguém para se manter em pé, seja com esmola, seja com donativos ou facilidades especiais. Não é sustentabilidade quando tudo isso falta e você desmorona. Ser sustentável é como ter um motor que cria seu próprio combustível. A sustentabilidade, ao começar um negócio, significa cuidar dos gastos e despesas, significa poder criar um superávit. Em termos de negócios, isso é sustentabilidade. É você poder reciclar suas reservas, seus recursos e poder entregar seus produtos ou serviços sem comprometer seu futuro.

Brasileiros – Como as pessoas sabiam da existência do Grameen Bank e da possibilidade de conseguir microcrédito com as características oferecidas pelo seu banco? Vocês usaram algum tipo de publicidade?
M.Y. – Não, nós não fizemos publicidade. Em nossa filosofia, as pessoas não vêm ao banco. O banco é quem vai às pessoas. Nós sempre estamos e estivemos com as pessoas em suas casas, em suas cidades, em seus vilarejos. Lá nós ouvimos, conversamos e discutimos com as pessoas sobre as suas necessidades. É lá que as pessoas nos vêem. E é isso que espalha a notícia da nossa existência e da nossa disponibilidade de fornecer microcrédito. Quando o primeiro empréstimo é concedido, na frente de todo mundo, quando essa pessoa pega o dinheiro, sem ter de fazer toda aquela burocracia que é exigida pelos bancos tradicionais, essa é uma novidade sensacional naquele vilarejo. Todo mundo só fala nisso, e a notícia se espalha, todo mundo fica curioso, todos querem saber o que está acontecendo. Todos se perguntam: será que eu também consigo um dinheiro desse jeito? É desse jeito que a notícia se espalha, quando alguém consegue um empréstimo, quando alguém começa a ganhar dinheiro. E o fato de essas
pessoas serem mulheres é mais surpreendente ainda. As pessoas se perguntam como é que uma mulher consegue um empréstimo e como ela consegue começar a ganhar um dinheirinho. E a notícia se espalha pelo boca-a-boca. Você não precisa ir aos jornais nem à TV para fazer comerciais. Você não gasta um tostão nisso.

Brasileiros – Agora o Grameen Bank está trabalhando também no Primeiro Mundo. Vocês estão emprestando dinheiro nos Estados Unidos?
M.Y. – Sim, nós estamos começando um projeto em Nova York. Em Jackson Heights, no bairro do Queens. Nós queremos fazer lá a mesma coisa que fazemos em Bangladesh, ou seja, emprestar dinheiro àquelas pessoas que não são atendidas pelos bancos convencionais. Jackson Heights é um lugar muito pobre e as pessoas que moram lá são oriundas da República Dominicana, do Equador, da Jamaica, de Bangladesh, da Índia. São pessoas que não têm onde se socorrer. Ninguém as ajuda. Então nós pensamos que aquele é um bom lugar para começar, até porque aquelas pessoas não são beneficiadas pelos serviços sociais americanos. Há três meses que estamos trabalhando lá e nesse tempo já emprestamos dinheiro para cerca de 200 pessoas, todas elas mulheres.

Brasileiros – Quanto para cada uma delas?
M.Y. – A média de empréstimo é de US$ 2.800. O maior é de US$ 3.200 e o menor, de US$ 500. Os empréstimos são pagos em prestações semanais e até agora a taxa de retorno foi de 100%. Ou seja, ninguém deixou de pagar suas prestações.

Brasileiros – Em sua experiência com o Grameen Bank, qual foi o seu melhor momento (excetuando-se o Prêmio Nobel da Paz) e qual o pior?
M.Y. – O melhor eu penso que foi o momento em que conseguimos o suporte legal dado pelo governo para que pudéssemos criar o nosso banco, o Grameen Bank. Em outubro de 1983, o governo de Bangladesh criou a lei que permitiu a nossa existência como instituição. E esse foi o momento mais feliz. O pior momento foi o das enchentes de 1998 em Bangladesh. Foi uma tremenda devastação em nosso país. Dois terços de Bangladesh ficaram sob as águas e isso por dez semanas. Foi terrível. Normalmente as pessoas suportam inundações de até duas semanas em Bangladesh. Acima disso, inundações que duram de três a quatro semanas tornam-se intoleráveis para a população. Mas a inundação de 1998 durou dez semanas. As pessoas perderam tudo que tinham, suas casas, seu dinheiro, perderam o socorro. Naquela época já trabalhávamos com a população mais pobre. E ficamos muito abalados sobre como ajudá-las, como dar-lhes esperança, como colocá-las em pé outra vez em meio àquela tragédia. Como ajudá-las a recomeçar suas vidas. Esse foi o pior momento do Grameen Bank.


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