Uma tarde com Nizan na sala trancada

Meu depoimento como testemunha de defesa do Duda Mendonça no chamado “caso mensalão” não durou mais do que dez minutos, mas os rituais morosos da nossa Justiça, que devem ser os mesmos desde D. Pedro 2º, me deixaram por mais de cinco horas trancado numa sala no subsolo da 1ª Subseção Judiciária de São Paulo.

“Sob pena de desobediência e condução coercitiva”, o mandado de notificação convocou todas as testemunhas para o mesmo horário – no nosso caso, às 14 horas. Enquanto é chamado um de cada vez para depor, as outras testemunhas ficam trancadas numa sala gelada só com água, café e um banheiro ao lado.

Por isso, como fui o penúltimo a ser chamado, apesar de ter chegado antes das 14, saí de lá depois das 19 horas, morrendo de frio, sem poder fumar, com sono e muita fome porque ainda não tinha almoçado.

Sorte minha que fiquei em boa companhia. As outras testemunhas de Duda eram os publicitários Nizan Guanaes e Armando Ferrentini, o boa praça que há 44 anos criou e até hoje dirige a publicação especializada Propaganda & Marketing.

Além deles, ficaram no confinamento também duas testemunhas de José Dirceu – a ex-mulher, Angela Saragoça, e o ex-deputado petista Ricardo Zarattini. A conversa estava bem animada quando chamaram Zarattini, o primeiro a depor, às três da tarde.

Magro como um bailarino espanhol, Nizan foi ficando cada vez mais inquieto com a demora, ligado ao mundo apenas pelo seu blackberry, que consultava a todo momento.

Mesmo tendo se desligado das operações do dia a dia do conglomerado de empresas do Grupo ABC, que faturou U$ 280 milhões em 2008 e acaba de ser incluído entre as 20 maiores agências da publicidade mundial no Ranking Agency Report publicado pela Advertising Age, ele parece que está sempre com pilha nova, a mil por hora.

“Você já viu alguém deixar de ser publicitário aos 51 anos?”, pergunta para o incrédulo Ferrentini, que acompanha sua carreira desde a vinda de Nizan a São Paulo, como jovem menino prodígio revelado na DM9 de Duda Mendonça em Salvador.

Nizan revela que não cria mais campanhas e procura nem ir às suas agências, entre elas a própria DM9 e a África, “para não atrapalhar o serviço dos outros”. Dedica-se agora apenas a pensar no futuro, criar novos negócios nas mais diferentes áreas, da música à moda, do esporte a projetos de defesa do meio ambiente.

Virou um empreendedor, como ele mesmo diz, ainda entusiasmado com o último show de Roberto Carlos ao lado de vinte cantoras, terça-feira passada, no Teatro Municipal, um belo espetáculo que ajudou a criar e produzir.

Dono da conta do Itaú, um dos patrocinadores desta temporada em que Roberto Carlos comemora 50 anos de carreira, ele nos contou que um dos próximos shows do Rei vai ser com cantores sertanejos.

Na hora, falei-lhe do drama do Tinoco, 88 anos, da antiga dupla com Tonico, que luta para voltar aos palcos, como já foi relatado aqui no Balaio, para poder pagar o tratamento médico de sua mulher.

Nizan nem esperou que terminasse de contar a história. Já ligou logo no celular para um diretor da DM9, pedindo que cuidasse do caso Tinoco. “Estas coisas ou a gente faz na hora ou nunca mais, depois esquece”, ensina.

Usina viva de idéias e projetos, Nizan varou a tarde naquela sala trancada falando de novos planos de vida e de trabalho, agora que passa parte do dia em casa, só pensando.

Ri dele mesmo quando lembra da sua recente e breve separação de Donata Meirelles, com quem está casado faz 10 anos. Cada um continua morando em sua casa, mas estão juntos de novo. “Minha separação foi um fracasso”

Já estávamos até pensando em pedir uma pizza, quando Nizan foi chamado para depor sobre seu velho amigo Duda Mendonça. Levantou-se rápido da cadeira como se fosse receber mais um prêmio, deixando a conversa e os amigos na sala que foi novamente trancada.

No meu depoimento contei como conheci Duda (em 1989, durante a primeira campanha presidencial) e o apresentei a Lula, em 1993, e respondi a perguntas sobre o nosso trabalho na campanha vitoriosa de 2002, depois de três derrotas seguidas.

Saí do prédio da Justiça Federal já de noite, com a certeza de ter ganho mais um dia honestamente. Quando se está em boa companhia, nenhum tempo é perdido.

Além disso, boto fé que agora vão se lembrar do Tinoco e lhe prestar as homenagens que ele merece, voltando a cantar depois de mais de 70 anos de carreira.

Em tempo: atualização às 18 horas

Neste negócio de sempre escrever com pressa online e full-time, ainda mais quando não faço anotações, acabo esquecendo de falar da parte mais importante da história.

Durante a maior parte do tempo, Nizan falou do projeto que desenvolve já faz três no qual suas empresas adotam algumas escolas públicas e, em vez de ficar discutindo o nível do ensino no Brasil, ajudam a melhorar concretamente a vida de alunos e professores.

Como costuma acontecer com a maioria das empresas de comunicação do país, que se comunicam mal ao falar (ou deixar de falar) do que fazem, este trabalho nunca foi divulgado.

Disse a ele que, neste caso, não se trata de autopromoção, mas apenas de divulgar a experiência para que sirva de exemplo e estímulo a outras empresas do país que poderiam fazer o mesmo e adotar mais escolas públicas.

Aos leitores:

Alguns fiéis parceiros aqui do Balaio ficaram preocupados porque não atualizei o blog ontem, pensando que eu já estava doente de novo.

Explico a eles e aos demais leitores que, nesta minha vida de repórter viajante, e com problemas de saúde ainda não superados (tenho cirurgia marcada para o dia 9 de junho), tendo que fazer um milhão de exames, não consigo dedicar todo meu tempo ao Balaio, como gostaria, embora ligue o computador todo dia às 9 da manhã e só o feche as 11 da noite.

Ficar velho tem seus problemas, mas a opção é pior, como disse certa vez a Tônia Carrero a uma jovem repórter. Vida que segue.


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