Há atualmente 400 mil ações judiciais tramitando no Brasil para obtenção de medicamentos, equipamentos, insumos e realizações de cirurgias. Desde 2010, houve um aumento de 500% nos gastos do Ministério da Saúde com essas ações. Naquele ano, o valor pago foi de R$ 139,6 milhões. Apenas em 2014, o gasto chegou a R$ 838,4 milhões. Em todo o período, a soma ultrapassa R$ 2,1 bilhões.
“Todo o planejamento do Ministério da Saúde e dos governos estaduais vai por água baixo. Se essa curva continuar, não vai ter fim”, afirmou o ministro da Saúde, Marcelo Castro.
As informações foram divulgadas na quinta-feira (15), após debate de Castro com o Tribunal de Contas da União (TCU). Estavam presentes também o ministro Raimundo Carreiro, vice-presidente do TCU e procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público Federal e secretários de saúde de várias cidades do Brasil.
Houve transmissão ao vivo da conversa pela internet e ela pode ser vista na íntegra abaixo:
A crescente “judicialização da saúde” preocupa cada vez mais o governo. Ela ocorre quando pacientes entram na Justiça para pedir medicamentos e insumos necessários para algum tratamento que não está disponível prontamente na rede de atendimento (pode haver opção terapêutica, mas não o medicamento em si, muitas vezes mais moderno).
O cenário mostrado pelo debate dá conta da complexidade do fenômeno:
Ele envolve questões individuais, já que do ponto de vista do paciente e da sua família, todos querem o melhor tratamento e têm o direito de exercer a cidadania e buscar meios para conseguir o direito à saúde;
E aspectos sociais, uma vez que o número crescente de ações produz impacto nas contas públicas.
São basicamente três pontos principais de discussão:
1) Os pacientes conseguem os tratamentos gratuitos e modernos para sua condição e isso é bom para a terapia e para a sobrevida. Também vai de encontro ao Art. 126 da Constituição que defende que “saúde é um direito de todos e um dever do Estado”;
2) O SUS, no entanto, deve arcar com tratamentos individuais, sem às vezes uma negociação favorável, o que compromete as contas;
3) A maior parte dos pacientes que entra na Justiça tem boa renda e possui plano de saúde. O dinheiro que usado para cumprir essa determinação da Justiça sai da saúde básica (que é destinada para os estratos mais pobres). Há, assim, um desequilíbrio de um sistema moldado para ser universal.
Recentemente, o Conselho Federal de Medicina divulgou estudo em que mostrou que 41% dos usuários do SUS estão há mais de seis meses na espera por um retorno do sistema. Além disso, para 93% dos brasileiros, a saúde no Brasil é avaliada em péssima, ruim ou regular.
O procurador geral Júlio Marcelo de Oliveira ponderou que há outros tipos de ações, as que buscam por atendimento imediato. “Com um cenário em que se espera 7 meses por um atendimento, muitas dessas ações pedem liminares para um atendimento imediato”, diz.
“E claro que do ponto de vista do paciente não há saúde mais importante que a dele e a do seu familiar. Há um conflito entre o instinto de sobrevivência do indivíduo em relação à sociedade.”
Ações não pensam na saúde pública?
Diante desses pontos levantados no debate, Castro chegou a dizer que há um “caráter imediatista dessa decisão”, que não leva em conta o “desperdício do dinheiro público”. Ele mencionou ainda que as decisões são sem critério e sem planejamento e que, na maioria das vezes há opção terapêutica no SUS.
O ministro citou um caso em que um único médico pediu um medicamento que custa R$ 2 milhões de reais por ano para 13 pacientes em um dia (não foi mencionado o nome do composto).
“Em uma canetada só esse médico pediu um medicamento que custa 2 milhões de reais para 13 pessoas. Essa doença tem uma prevalência de 1 para cada 10 milhões de habitantes. Mas, nesse Estado em que esse medicamento foi pedido, só há 3, 5 milhões de pessoas. É improvável que lá tenha esse número de pessoas doentes”, exemplificou.
Castro citou estudo de revisão que mostrou que, em 51% dos casos, há outras alternativas de terapia no sistema. Ele mencionou ainda que o medicamento que causou o maior gasto do SUS sequer tem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária); o ministro não citou o nome do composto.
“Embora haja problemas de recursos, há uma necessidade de um aprimoramento da gestão”, disse Raimundo Carreiro, vice-presidente do TCU. “Essas demandas judiciais causam impacto crescente nas três esferas de governo.”
Carreiro também citou a desigualdade que a judicialização gera no sistema. “O avanço do exercício da cidadania por uma parte da população, que consegue efetivar o seu direito à saúde pela via judicial, por outro lado, obriga o gestor a buscar recursos e comprometer o financiamento da saúde pública.”
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