O jornalista Goulart de Andrade no estúdio do programa Vem Comigo. Foto: Luiza Sigulem
O jornalista Goulart de Andrade no estúdio do programa Vem Comigo. Foto: Luiza Sigulem
– Boa tarde, Goulart. Onde po­­de­mos fazer a entrevista?

– Vem comigo!

O bordão, praticamente patenteado no mundo jornalístico, virou o cartão de visitas de Goulart de Andrade, perto dos 80 anos de idade, quase 60 deles dedicados à profissão de, mais que repórter, contador de histórias. Goulart rodou por todos os grandes canais do Brasil, participou da criação de programas consagrados, como o Fantástico e o Globo Repórter. Em 1978, criou o seu Plantão da Madrugada, que depois seria rebatizado como Comando da Madrugada, no qual fazia reportagens imersivas. Entrava no mundo de seus personagens, virava travesti, palhaço, vivia as experiências, tudo para passar a verdade e o sentimento em suas histórias. Em uma ocasião, o aprofundamento foi tamanho que o repórter sofreu um ataque cardíaco enquanto entrevistava um cardiologista. Jornalista antes de qualquer coisa, não poderia perder esse furo: sua operação virou material precioso da reportagem.

Após um afastamento curto da televisão, Goulart de Andrade está de volta com programa na TV Gazeta, que estreou no final do ano passado e vai ao ar às segundas-feiras, no horário das 23h30. O nome? Vem Comigo. Nada mais justo. Goulart divide o protagonismo com jovens estudantes dos cursos de Rádio e TV e de Jornalismo da Faculdade Casper Líbero, sediada no mesmo emblemático prédio da emissora, na Avenida Paulista. Na atração, o experiente repórter convida seus futuros colegas de profissão a reproduzirem as principais reportagens de sua trajetória, utilizando novos artifícios e dando outra visão às histórias. “A ideia começou a brotar faz uns 15 anos, quando o Sergio Felipe dos Santos (superintendente geral da Fundação Casper Líbero) conheceu o meu acervo, que hoje está na Cinemateca Brasileira. Ele se encantou e falou: ‘Poxa, Goulart, isso aqui na faculdade ia dar um caldo muito interessante’. Depois, deixamos isso de lado e agora, finalmente, retomamos”, conta.

Sobre seu papel no programa, Goulart faz questão de rechaçar qualquer suspeita de que queira se passar por professor. “Somos colegas de profissão. Eu mostro o que eu fiz, depois eles mostram o que fizeram e conversamos sobre nossas experiências, eventuais dificuldades, traçamos paralelos entre a realidade que eu encontrei naquela ocasião e se isso mudou hoje, na opinião deles. Conversamos, sem críticas ou julgamentos.”

A proximidade com a nova geração também foi fundamental para que ele refizesse seu pensamento a respeito do futuro do jornalismo. O veterano repórter sabe que, cedo ou tarde, irá guardar seu gravador, mas continua otimista com a safra que está entrando no mercado agora. “Eles estão fazendo com paixão, isso é um orgulho para mim. Acho que ajudei a incutir o vírus do repórter, do cara curioso e destemido, dentro deles. Isso é minha vida, e vejo neles uma continuidade. Eles saem para a rua com equipamentos mais modernos, mas a paixão é a mesma. Nem sei se são todos assim, mas esses jovens têm a sorte de poderem meter a mão na massa, e isso é importante na faculdade, na formação”, comemora Goulart.

Colegas – Longe do tom professoral, Goulart discute as diferenças entre suas reportagens originais e as versões dos jovens jornalistas

Mesmo experiente, o apresentador do Vem Comigo não parou no tempo, como vários de sua geração. Tem a consciência do poder das novas tecnologias, do dinamismo do jornalismo contemporâneo, mas acredita que grandes reportagens nunca perderão seu espaço. Para Goulart, a reportagem é justamente uma história, e histórias são conteúdo fundamental para tudo o que se faz hoje, seja na internet, no papel ou na televisão. “Você quer fazer um filme? Sua base de estudos é uma reportagem. Sou um privilegiado por fornecer histórias. Costumo dizer que todo repórter é jornalista, porém, nem todo jornalista é repórter.”

Jornalista e repórter convicto, Goulart acredita que não existem limites entre a aproximação do contador com o fato. Para passar fidelidade, nada melhor do que viver o que se pretende relatar. “Nem fale nessa palavra (limite), ela até me perturba. Eu sofri limites durante a truculência da ditadura. Já fui censurado antes, até de conceber meu material, eu era censurado pela pessoa que eu era e por isso não admito engessamento. Limite não existe. Existe ética. Enquanto você transita pela ética, todos os limites podem ser atravessados”, analisa.

No dia de nossa visita ao estúdio da TV Gazeta, onde aconteceria a gravação de um dos programas da série, os alunos da Casper Líbero iriam refazer uma reportagem produzida originalmente há mais de 20 anos, quando Goulart foi desvendar o mundo circense. Totalmente infiltrado em um grupo, até por palhaço ele se passou no picadeiro. Décadas depois, a mesma história, outras cabeças, o resultado foi surpreendente e emocionante. Embora o tema fosse o mesmo, o enfoque era outro. Do que Goulart fez sobrou a inspiração, a paixão e, é claro, muitos “vem comigo”. Sobre seu bordão clássico, ele revela não tê-lo criado intencionalmente. Surgiu de forma natural, até pelo seu ímpeto jornalístico e imediatista. “Eu e o Capeta, meu câmera, fazíamos, às vezes, duas ou três reportagens diferentes por noite, era muito pouco tempo. Teve uma que era em uma discoteca na Zona Leste, a Topo Discoteca, que iria inaugurar naquela noite. Cinco mil pessoas, eu tinha que entrar, mostrar tudo e sair em uns 10 ou 15 minutos. Daí, eu falava para o Capeta ‘Vem comigo, vem comigo sem cortes, vem comigo…’. Aí, nasceu”, relembra, entre gargalhadas.

Sobre o futuro do programa, Goulart diz estar mais ansioso que os próprios alunos, ele quer ver o que vai sair das histórias que contou décadas atrás. Como um pai que não revela preferência entre os filhos, ele não consegue responder se está mais ansioso quanto ao resultado de alguma reportagem em especial. Mas cita várias: “Vai ter a do Carandiru, essa vai ser muito interessante, já que o presídio virou um parque. Tem a dos operários que trabalham embaixo da terra na madrugada, depois tem outra que mostra a dinâmica de como se faz um jornal impresso, tem a da Ilha da Queimada Grande, a ilha das cobras jararacas, onde eu caí em um buraco cheio de cobras… Ihhh, são 15 mil horas de material, tem muita coisa!”.

Vamos com ele!


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