Na estréia do CQC – Custe o Que Custar, programa levado ao ar às segundas-feiras, às 22h15, pela Rede Bandeirantes – o repórter/ homem de preto Rafael Cortez tentava entregar um par de óculos escuros, símbolo do programa, ao presidente Lula. Toda vez que o presidente, filmado de longe, manifestava algum sinal de simpatia, sua imagem era congelada, como se ele estivesse fazendo “positivo” com o polegar para Cortez, dando “tchauzinho”.
A platéia de convidados do programa e certamente os telespectadores sentiam aquilo como uma mistura da entrega das “sandálias da humildade”, popularizada pelo pessoal do Pânico!, programa da Rede TV!, com truques de edição. Mas os tais óculos passaram para as mãos dos seguranças, chegaram ao palco nas mãos dos assessores e foram entregues a Lula que, de longe, agradeceu entusiasmado, fazendo sinais de boa sorte.
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No estúdio, ao vivo, a bancada que lidera o programa, com Marcelo Tas, Rafinha Bastos e Marco Luque, foi ovacionada. Sim, há uma diferença entre o Pânico e o CQC e ela é bem maior do que dizer que um está para o outro como a Casa dos Artistas está para o BBB. Ou seja, o primeiro é genérico e o outro segue o formato-padrão – mesmo porque o programa da Rede TV! evoluiu do rádio.
A equipe formada por Tas, Bastos, Luque e Cortez, e ainda Danilo Gentili, Felipe Andreoli e Oscar Filho, além de fazer um clipping amalucado, um resumo das notícias da semana, no qual não falta um Top Five composto por imagens absurdas transmitidas durante a semana, foge do padrão zorra total, com os sete profissionais agindo como repórteres mesmo, em que pese a maluquice. Rafinha Bastos vai mais longe ainda em seu quadro Proteste Já.
Na estréia, por exemplo, depois de investigar o porquê da paralisação de uma obra da Sabesp, o que faz da vida dos moradores vizinhos um inferno, Rafinha levou um aquário com água suja para o responsável e seqüestrou uma planta de seu gabinete, que exibiu no estúdio. Ela só será devolvida quando as obras forem completadas.
Alguém falou em Michael Moore? Pois é. O original argentino Caiga Quien Caiga, algo como “Caia Quem Cair”, produzido pela Eyeworks- Cuatro Cabezas, surgiu em 1995, ou seja, dois anos antes do filme Men in Black, de Barry Sonnenfeld, estrelado por Will Smith e Tommy Lee Jones. Na verdade, os homens de preto do CQC foram inspirados no filme Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992), de Quentin Tarantino.
Seguindo uma tendência mundial de exportação de formatos, caso do citado Big Brother, de American Idol ou mesmo de CSI que, curiosamente, multiplicou-se internamente gerando CSI: Miami e CSI: NY, o CQC tornou-se uma coqueluche também no Chile, no Uruguai e no México, atingindo a Europa via Espanha e adaptando-se à Itália e à França.
“É claro”, brinca Rafinha referindo-se a seu quadro, “que os franceses têm problemas de ricos, como protestar contra o barulho provocado por aviões, esse tipo de coisa”. Na Argentina, seu país de origem, os políticos são treinados para enfrentar os homens de preto de Mario Pergolini – o equivalente a Marcelo Tas de lá. Pudera.
Nas eleições presidenciais de 2003, em que Carlos Menem renunciou antes do segundo turno contra Néstor Kirchner, um dos motivos foi a perseguição movida pelo CQC contra o ex-presidente de suíças. E, em uma inequívoca demonstração de democracia, logo chegaria a vez de Kirchner também entrar na mira do programa.
A versão brasileira tem direção-geral do argentino Diego Barreto, que trouxe consigo mais de dez profissionais que se somam à equipe de 50 pessoas do CQC daqui. Das vinhetas elaboradíssimas que se assemelham a jogos de transformers às gagues incorporadas às reportagens – que vez por outra transformam entrevistadores e entrevistados em caricaturas vivas -, o visual é aprimorado, em que não raro o telespectador pode se assustar com moscas vindo em sua direção. Algo bem de acordo com o estilo de intervenção proposto pelo formato.
Não é à toa que, a exemplo de Rafinha, Oscar Filho e Danilo Gentili fazem comédia stand-up – um gênero em alta na noite paulistana, em que comediantes vêm tomando o lugar dos músicos cover fazendo crônicas ao vivo, em um estilo deliberadamente confessional personificado por Jerry Seinfeld, um dos maiores cultores do stand-up, uma verdadeira mania nos Estados Unidos. Segundo Rafinha, que tem formação de jornalista, carreira que desenvolveu paralelamente à de ator, “esse estilo de humorismo opinativo que se vale de informações do dia-a-dia, em que o intervalo entre a preparação e a piada é praticamente nulo”, ou seja, composto por frases disparadas para todos os lados, “casa-se à perfeição com o CQC“.
E tem uma gênese na nossa televisão. Trata-se do repórter Ernesto Varela, criado no período de abertura política no Brasil, na virada dos anos 1980. Suas performances são inesquecíveis. Certa vez, perguntou ao tricampeão Nelson Piquet “atrás do que tanto corriam os corredores de Fórmula I?”, ouvindo como resposta do piloto irreverente: “da grana”. Ou a histórica e não respondida questão que fez à queima-roupa: “É verdade, senhor Maluf, que o senhor é um ladrão?”.
Ernesto Varela é um personagem criado por Marcelo Tas que, na qualidade de admirador do programa argentino, já havia mostrado seus vídeos para a equipe argentina do CQC, que naturalmente adorou o antecessor. O que Tas não imaginava é que o programa pudesse vir para o Brasil e ele ser chamado para servir de âncora para nossa versão. Sem dúvida, trata-se de um caso de “the right man in the right place”, ou melhor, “la persona correcta en el lugar correcto.”
BRASILEIROS – Como funciona o CQC?
ERNESTO VARELA – São profissionais argentinos acostumados ao formato e nós, paulistanos, que nunca trabalhamos no programa. Damos duro a semana toda e ganha quem tiver a melhor idéia, do assistente de câmera ao motorista, Apolo, por sinal muito bom.
BRASILEIROS – Além de Diego, quem veio?
VARELA – Editores e sonoplastas da equipe do CQC argentino.
BRASILEIROS – E eles gostaram?
VARELA – De saída emplacamos o “repórter inexperiente”, Danilo Gentili, e na segunda semana fizemos o programa ao vivo, o que em outros países só acontece depois de meses.
BRASILEIROS – Por que tantos stand-ups?
VARELA – Sou fã desse tipo de comédia, sobretudo pela liberdade e simplicidade. É um resgate precioso da força das palavras neste mundo inundado de imagens e aparências em que vivemos.
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