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Toda a ficção de Mario Lorenzi é baseada na própria vida ou na de amigos e conhecidos, algumas vezes mesclados em um único personagem. “Não consigo inventar”, admite o escritor, bem-humorado. “Sou capaz de colorir a vida real, mas não saio dela.” Nem precisa. Aos 84 anos, Mario tem material de sobra para fundamentar a narrativa nas próprias experiências. De tão rica em acontecimentos, sua vida beira o improvável. Nascido na minúscula Riviera dei Fiori, região italiana da Ligúria, ele correu mundo afora e foi cantor de jazz (com o nome Pop Marlow), operário, cônsul, diretor e presidente de empresas. É jornalista, membro da Anistia Internacional e militante antifascista e antirracista. Morou em Paris, Nova York, Lima, Buenos Aires, Cidade do México, et cetera, et cetera – e, desde 1953, mantém um pé ou, de preferência, os dois em São Paulo, onde, hoje, reside. “Bem ou mal, sempre fui um homem engajado”, define-se. O romance …Quero mais é que se danem!, sua obra mais recente – a décima segunda -, é construída em torno de um tema principal: a longeva amizade de Aristide e Romeo. São octagenários, vindos da Itália, moradores de São Paulo e de classe média alta. Romeo, confinado a uma cadeira de rodas, quer dar cabo da vida, numa escolha que se pretende restrita ao racional. Por sua vez, o aventureiro Aristide – alterego de Mario Lorenzi, em muitas passagens – é um cidadão do mundo, que distrai o amigo contando suas fascinantes e picarescas andanças. O romance inicia-se narrado na terceira pessoa do singular (com diálogos um tanto grandiloquentes, é bem verdade) e assim também termina. Mas são trechos menores. A rigor, o livro divide-se entre os apontamentos e ilações de Romeo e as longas narrativas de Aristide.
Ambos comentam a velhice, a estupidez da guerra (que viveram na pele, na luta contra o nazifascismo), a cruel mudança dos valores, o esquecimento do real em nome da política, o odioso avanço do individualismo. Hábil, Lorenzi faz uso de diversas citações, sem que passem por brilharecos, mas, sim, como apelos à lucidez. Um encaixe perfeito. Embora aqui e ali desponte um tom nostálgico, o romance não se inclina para as queixas de dois anciãos ranhetas, refratários à mudanças no comportamento. A inclusão do personagem Leonardo, o jovem neto de Romeo – atento, mas crítico, ouvinte -, estabelece o contraponto e, ainda, um outro tema: o conflito de gerações. Os sábios Romeo e Aristide sabem ouvir. Assim como o jazzista, diplomata e repórter Mario Lorenzi.
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