A história de José Carlos começa quando ele é um adolescente e é considerado o filho “problema”, que gosta de fumar um “baseadinho” e sem grandes ambições. Manipulado pela família, classe média, quase que obrigado, entra para o serviço público. Pouco afeito a botar a mão na massa, por pura sorte, acaba sendo aprovado em um concurso através de um teste de múltipla escolha e chega ao seu primeiro emprego. De múltiplas em múltiplas escolhas ele acaba sendo o escolhido para participar ativamente da história recente do Brasil. Aprende a manipular dados e pessoas e chega a Brasília como laranja e acaba desenvolvendo talento para ser lobista. De lobista a candidato e depois eleito deputado, alterna suas ações entre manipulador e manipulado sem o menor pudor. Condena as ações de seus amigos políticos e instantaneamente muda de lado, apoiado por teorias das mais convincentes. A sua própria sobrevivência depende de vacinas muitas vezes desenvolvidas com o vírus mutante da vida política. Dando nome aos bois, tancredos, sarneys, collors, fhcs, lulas, José Carlos se mantém vivo, respaldado pela bancada evangélica, na Corte do Cerrado.
Sem ser panfletário, nem maniqueísta, Mediano, de Otávio Martins, diverte e nos adverte que as coisas são mesmo assim: lá e cá. Fazemos parte de um grupo de animais quase racionais prontos para agir em defesa própria. Principalmente quando o caminho nos é facilitado. Temos tido ótimos exemplos disso não somente na política como também no futebol. O que importa é o nosso potencial de arremesso a gol, não importando contra quem estamos jogando. Atacamos e defendemos, em nome da democracia, mas baseados muito mais na defesa de nossos próprios espaços. Outro ponto positivo da escrita de Otávio é a denúncia de uma quantidade enorme de profecias estrondosas que somos capazes de fazer sabendo que elas têm 90% de chance de não se concretizarem. A personagem afirma categoricamente que o “moço das alagoas”, o “sociólogo” e o “operário barbudinho” jamais chegarão ao poder e num piscar de olhos divide com eles as cenas palacianas.
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José Carlos é vivido por Marco Antonio Pâmio, um ator que tem se preocupado em oferecer ao público participações primorosas em obras como Pobre Super-Homem, Longa Jornada Noite a Dentro, Pedra nos Bolsos e tantas outras. São 25 anos de serviços prestados ao bom teatro. A atuação de Pâmio em Mediano, seu primeiro monólogo, é irrepreensível. Apoiado por uma cenografia muito simples, ele nos apresenta criaturas, homens e mulheres, muito diferentes. Familiares preocupados com as suas crias, crias preocupadas com as suas microvidas e uma quantidade interminável de personagens que conhecemos tão bem: nós mesmos. A direção precisa de Naum Alves de Souza dá a certeza ao Marco Antonio Pâmio que mesmo atuando em um monólogo o ator não pode, nem deve, se sentir só. Tudo é bem cuidado e cada movimento seja físico ou mental está acompanhado da sabedoria de um mestre da direção. Nada é banal.
Depois de cumprir curtíssima temporada no Sesc Pinheiros, Mediano de Otávio Martins se atira na realidade teatral da Praça Roosevelt, mais precisamente no Teatro dos Parlapatões.
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