Meus caros, poucas manchetes me atingem tanto quanto as que falam de desastres aéreos. Já contei aqui que perdi um irmão muito querido no desastre da TAM ocorrido no dia 31 de outubro de 1996, provavelmente o pior dia de toda a minha vida. Lembro-me muito bem como a cobertura da mídia colaborou para tornar tudo muito pior, sem demonstrar qualquer cautela para com os sentimentos das famílias, dando à tragédia um foco de case empresarial, e divulgando detalhes monstruosos. Tivemos humanidade zero nos noticiários. Em um livro, escrito por um acadêmico de comunicação, especializado em casos semelhantes, o autor não teve pudor algum em mentir ao mundo, dizendo que a companhia aérea teria divulgado a lista de passageiros mortos somente após ter comunicado pessoalmente todas as famílias, ao longo do dia. Mentira deslavada. Cerca de duas horas após o acidente, uma grande rádio de São Paulo já divulgava nome por nome, e foi dessa maneira, fria e desumana, que um de meus irmãos ficou sabendo da perda de nosso Duda, sem preparo algum, sem aviso algum, sem consideração alguma.
Lembrei-me muito de tudo isso quando do desastre com o avião da GOL, aquele que chocou-se com o Legacy, onde houve uma melhora na comunicação, mais respeito em geral, quebrado pela conduta tenebrosa do próprio Ministro da Segurança, Nelson Jobim, que brincava de Jim das Selvas, vestindo uma ridícula farda militar, e afirmando no horário nobre da televisão que talvez não houvesse corpos a enterrar – as famílias ouvindo tudo aquilo. Os corpos foram encontrados, e as famílias tiveram, então, o conforto mínimo de um enterro, final humano para uma tragédia sempre dilacerante.
O mesmo ocorreu, evoluindo um pouco, com o avião da TAM de 2007, aquele que não conseguiu frear, e bateu contra um prédio da própria companhia, matando quase duzentas pessoas. Poderosas, as empresas aéreas rapidamente culpam a fatalidade, limpam a alma dessa maneira, e jogam os familiares em longas e inúteis batalhas judiciais, condenadas a durarem décadas, forçando as famílias a acordos judiciais infames.
Pois tudo isso me volta à mente agora, com a notícia de que foram encontrados os destroços do avião da Air France, que caiu no meio do Atlântico, em 1º de junho do ano retrasado. As duas indiciadas na investigação judicial, que corre pela jurisdição francesa, são a companhia aérea e a Airbus, dona e construtora do avião, ambas sediadas na França. O processo está em andamento, elas conseguiram localizar os destroços no meio do oceano, e deixam escapar que existem corpos no local, reabrindo as profundas feridas dos familiares. Será verdade? Havia razão para comunicar ao mundo esse detalhe? Será esse caso esclarecido, finalmente, mostrando a verdade? Nenhum dos mortos voltará, nenhuma lembrança será amainada, mas a mídia está felicíssima com mais uma manchete tenebrosa. Quase quinze anos após a perda do meu Duda, cá está minha dor, estará sempre, estendo meu abraço aos familiares dos mortos nos outros desastres, e peço a Deus que os conforte, sempre. Com o carinho do Cavalcanti.
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