Vidas que valem a pena

Novo ano, renovadas esperanças. E de onde vem essa vontade de continuar acreditando que a vida vale a pena? Vem, sobretudo, dos bons exemplos que recebemos desde a infância. São eles que nos incutem valores, senso de justiça, espírito de solidariedade.

Ando prestando atenção nos brasileiros e brasileiras que têm se destacado por algo que parece escassear em nossa sociedade, sobretudo entre os políticos: a ética. Gente que age, não por demagogia nem em busca da coroa de herói, mas motivada por valores enraizados no coração.
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Eis algumas dessas pessoas que merecem o nosso reconhecimento e admiração.

Francisco Basílio Cavalcante, faxineiro do aeroporto de Brasília, 55 anos, pai de cinco filhos, salário bruto de R$ 370. No dia 10 de março de 2004, encontrou uma bolsa de couro no banheiro do aeroporto. Dentro, US$ 10 mil e um passaporte. Se fosse juntar o salário que ganha, sem gastar um só centavo, levaria quatro anos e seis meses para obter essa soma. O dinheiro e o documento haviam sido esquecidos pelo suíço René Dam. Francisco disse à mídia:

“Tem que ser assim. O que não é nosso precisa ser devolvido. Um dinheiro que não é da gente não pode ser do bem. Não pode trazer felicidade.”

Sebastião Breta, 43 anos, gari da prefeitura de Cariacica (ES), devolveu os R$ 12.366 que achou num malote no lixo. O nome do homem que fora roubado numa etiqueta. Sebastião ganha R$ 312 por mês.

Indagado se pensou em ficar com o dinheiro, o gari disse:”Nunca. Desde a primeira vez que vi sabia que devia devolver. Quando não consigo pagar as minhas contas, fico doido, pensava o tempo todo como estava o dono do dinheiro, imaginava que ele também não poderia pagar suas contas porque tinha perdido tudo.”

Ao saber do caso, em Campinas (SP), o padre Luiz Roberto de Lascio fez campanha em sua paróquia para angariar dos fiéis a mesma quantia, entregue ao gari.

Sebastião usou o dinheiro entregue pelo padre para comprar um terreno e cuidar de um problema sério na coluna.

“Deu um alívio no coração quando devolvi o dinheiro. Agora posso dormir tranqüilo, porque sei que não enganei ninguém.

Adriano Levandoski de Miranda, analista de sistemas, 27 anos, faz aniversário em 9 de dezembro. Em 2006, a data caiu no sábado e, para azar dele, o patrão convocou-o para o plantão de fim de semana. Adriano não apareceu até o fim da tarde, embora tenha saído de casa antes das nove. Ao passar a pé pela Ponte João Dias, na zona sul da capital paulista, viu duas pessoas nervosas apontarem a mulher que, agarrada a uma criança, havia se atirado de uma altura de seis metros nas águas do Rio Pinheiros. Ali o rio costuma ter dois metros de profundidade.

Angustiado, pediu emprestada a moto de um rapaz que observava a cena. “Ele não quis emprestar, mas quando virou as costas, eu peguei a moto dele e saí”, explicou o analista.

Adriano dirigiu a moto na contramão, o trajeto mais curto e rápido à outra margem, perto do local em que a mulher e a criança eram arrastadas pelas águas.

A mãe, 26 anos, havia amarrado o filho de modo a levá-lo consigo ao fundo das águas. “Ela queria que a criança a acompanhasse para o mundo melhor”, disse o delegado Avelino Jorge Alves da Costa Júnior sobre a explicação dada pela mulher durante depoimento no hospital.

Adriano, que na época tinha um filho de dois anos, saltou um obstáculo e jogou-se nas águas.

“Acho que foi o instinto”, disse ele, que recusou na entrevista o título de herói. “Qualquer um teria feito o que eu fiz”, repetia.

Adriano socorreu a criança e a mãe deixou o rio ajudada por dois homens. Teve uma lesão na coluna, sem gravidade e foi presa em flagrante por tentativa de homicídio – a família disse que ela enfrenta problemas psicológicos. “Neste momento, acho que ela precisa mais de ajuda do que ser presa”, afirmou G.C., tio da mulher.

Adriano foi liberado do 11o Distrito Policial de Santo Amaro, onde o caso foi registrado, por volta das 18h. “Vou passar no trabalho para dar uma satisfação”, disse.

Será que o patrão acreditou na versão dele antes de ler os jornais do dia seguinte?

Wagner Silva Cerqueira Rocha, soldado da PM, 29 anos, foi condecorado no dia 14 de agosto de 2006, em Natal (RN), por ter devolvido R$ 78 mil encontrados por um de seus irmãos, e outros menores, em uma casa abandonada, em julho de 2006.

“Espero que a honestidade prevaleça no Brasil, e que este fato sirva de exemplo para todos, do mais humilde ao mais poderoso”, disse o PM.

Fágner Tamborim, 17 anos, entregador de jornais na cidade de Pirajuí, a 398 quilômetros de São Paulo, ganha R$ 90 por mês. Enquanto pedalava sua bicicleta, encontrou na rua um malote com R$ 6 mil. Devolveu-o ao dono.

Como “recompensa”, ganhou R$ 100 e um par de tênis.

“Vi que tinha muito dinheiro e cheques. Levei pra minha mãe, que ligou para o banco. Aí conseguiram localizar o dono.”

O empresário Marcelo Lourenço, 32 anos, dono do dinheiro, contou que colocara o malote em cima do carro enquanto abria o portão da casa onde mora e esqueceu de recolhê-lo ao sair com o veículo. “Quando cheguei ao banco, vi que o dinheiro não estava no carro. Refiz o caminho. Nada! Aí me ligaram do banco, dizendo que um menino o havia localizado e devolvido. Não é qualquer pessoa que tem uma atitude dessas.”

Marcelo Lourenço contou que, há oito meses, encontrou uma carteira com R$1 mil e um talão de cheques e também devolveu.

Sylas Silveira, 59 anos, nascido no Mato Grosso, mas gaúcho honorário, embarcou, com sua inseparável motosserra, para Pisco logo após o terremoto de magnitude oito que, em agosto de 2007, abalou a costa central do Peru, deixando mais de 500 mortos.

Desde 1985, quando tremores devastaram a Cidade do México, Sylas já viajou meio mundo ajudando, como voluntário, vítimas de catástrofes. Já esteve na Argélia, no Irã, no Equador, no Sri Lanka, na Índia e no Paquistão. É autor de uma cartilha de sobrevivência em terremotos.

Tudo começou quando tentou enviar cortadeiras, de fabricação própria, às vítimas do terremoto do México. Diante dos entraves burocráticos, decidiu ele mesmo ir. Juntou-se às equipes de socorro sem nunca ter recebido treinamento. Em todas as viagens pagou as despesas do próprio bolso. Nos últimos anos, conta com o apoio logístico da Cruz Vermelha gaúcha e do Itamaraty, que se ofereceu para pagar as passagens aéreas, mas Sylas recusou.

“É a chance que Deus me deu para fazer coisas úteis para mim e para os outros , diz o gaúcho de coração.”

Sirlei Dias de Carvalho, 32 anos, doméstica, no dia 23 de junho do ano passado, no Rio de Janeiro esperava o ônibus para retornar à sua casa. Súbito, cinco jovens de classe média alta – os “pittboys” – desceram de um carro e passaram a agredi-la a chutes. Por mera “diversão”, pois nem conheciam a vítima, escolhida ao acaso. Ainda roubaram-lhe o celular.

Graças a um motorista de táxi, que teve o cuidado de anotar a placa do veículo dos agressores, a polícia conseguiu prendê-los. E Sirlei não teve medo de reconhecer aqueles que quase a mataram.


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