Há 20 anos dedicando-se à pesquisa da produção musical brasileira, a produtora cultural Myriam Taubkin apresenta agora Violeiros do Brasil, com 11 artistas-criadores do instrumento. Desde que criou o Projeto Memória Brasileira em 1987, ela já brindou o público com sete CDs, envolvendo mais de 500 músicos, quatro deles transformados em livros e DVDs. Myriam foi atraída pelo violão de dez cordas quando adquiriu uma fazenda no interior de Minas Gerais, por volta de 1995. O Estado é pródigo em violeiros e logo a produtora se deu conta de que a viola transcende a musicalidade ou a técnica dos envolvidos. Trata-se de uma espécie de culto na qual cada instrumentista se destaca pela originalidade, que não se limita à repetição de padrões e que é permeado de superstições, lendas, histórias, disputas, rivalidades não raro ancestrais. Para se ter uma idéia, é líquido e certo que não é o músico quem escolhe o instrumento, mas “a viola é quem escolhe o violeiro”. E isso é só o começo.

O interesse alavancou a pesquisa e os dois anos de pesquisa e trabalho culminaram com um mês de apresentações no Sesc Pompéia paulistano em 1997, um evento pioneiro reunindo shows, oficinas, exposições e debates, além de um CD e quatro programas de televisão. O Violeiros do Brasil produzido de um ano para cá, projeto livro/DVD que se segue a O Brasil da Sanfona, Violões do Brasil e Um Sopro de Brasil, é uma celebração do primeiro encontro, envolvendo os mesmos músicos, excetuando-se Renato Andrade (SP) e o autodidata Zé Coco do Riachão (MG), que se foram nesse meio tempo. A obra foi lançada em agosto no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, trazendo Adelmo Arcoverde (PE), Almir Sater (Pantanal), Ivan Vilela (SP), Passoca (SP), Paulo Freire (SP) e Pereira da Viola (MG). No dia 3 de setembro será a vez de Braz da Viola, Pena Branca (MG), Roberto Correa (DF), Tavinho Moura (MG) e a dupla Zé Mulato & Cassiano (DF) se apresentarem no Teatro Nacional, em Brasília.
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De fato, a afinação aberta das cinco cordas duplas exerce magnetismo em músicos e leigos, indistintamente. “Pontear uma viola” na tradição brasileira é um ato tão natural quanto “namorar a lua” ou “fumar um cigarrinho de palha contando estrelas”. Rima com sossego e paz de espírito. O livro Violeiros do Brasil é imperdível para interessados em música em geral. Ilustrado com fotos de Angélica del Nery e prefaciado por Inezita Barroso, traz depoimentos dos 11 violeiros e é dividido em diversos itens como a história do instrumento, crenças, afinações, noções de aprendizado, entre outros detalhes, além de uma extensa lista com os contatos dos instrumentistas e luthiers em atividade. Sim, porque caipira também tem site.

Já o DVD, com fotografia, edição e direção de Sérgio Rozenblit, capta os 11 participantes em cenas descontraídas, contando sua história e histórias, culminando com belíssimas execuções em ambientes escolhidos pelos próprios. É divertido ver como a maioria afirma que “sou o único que” faz isso ou aquilo deste ou daquele jeito. Afinal seu terreno é a magia, e magos têm de se sentir absolutos. Por exemplo, Paulo Freire abre o DVD narrando a iniciação de um violeiro em uma encruzilhada em tom de “causo”. Mas há quem jure de pé junto que mais do que a formação em violino clássico foi o tal do “pacto com o capeta” que tornou Renato Andrade um grande violeiro. Durante os depoimentos, a tradição de se guardar um guizo de cascavel no bojo do instrumento é ridicularizada por vários dos artistas. Mas naturalmente todos têm um dentro da viola. “Nunca se sabe”, justificam.


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