Não nasci em Brasília, mas lá passei os anos mais marcantes de minha vida. Cinco anos na infância, mais cinco na adolescência. Estou no Rio desde 1985, mas não me sinto cidadão do Rio. Chego a Brasília e digo: “Ah, aqui estão minhas raízes, eu reconheço o ar, as cores, o vento, os sons”. Virei gente em Brasília.
Tudo aconteceu a partir de 1979. Morava em um apartamento da 213 Sul, bloco K, com meu irmão Luís Otávio, com o Dinho (Ouro Preto, futuro líder do Capital Inicial) e com o Pedro, irmão do Bi Ribeiro (do Paralamas do Sucesso). Estávamos mais interessados em rock do que no vestibular. A música era a melhor linguagem para expressar o clima libertário e contestatório da redemocratização já em curso, a ditadura agonizando, a campanha das Diretas nas ruas.
Brasília não teve comícios como no Rio e em São Paulo, mas ali, onde era a sede simbólica da ditadura, o rock serviu de contraponto de protesto e de reivindicação. Lembro-me das noitadas no Cafofo, um bar improvisado no subsolo da Superquadra 408 Norte. O Aborto Elétrico incendiava a rapaziada com Que País é Esse?. Renato Russo cantava: “Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado/Ninguém respeita a Constituição…” Eu, com 15 anos, na plateia, encantado.
Não é verdade que Brasília era uma cidade só de burocratas, alienada, que passou ao largo do processo da redemocratização. Marchamos – eu estava lá! – em direção ao Congresso no dia da votação da Diretas Já, em 1984. Uma manifestação enorme, intensa. Virou buzinaço e se espalhou. Lembro do general Newton Cruz, irritadíssimo, a cavalo, dando chicotadas nos automóveis que buzinavam.
Naqueles anos, entre 1979 e 1985, fiz parte de uma geração que criou cultura por meio da música e transformou Brasília. E Brasília continua se transformando, vigorosamente, cidade que vai muito além dessa política miúda do dia a dia e de sua aparência serena, acomodada.
Dado Villa-Lobos, 44 anos, cantor, compositor e guitarrista, ex-integrante do grupo Legião Urbana.
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