Visita aos anos 1800

Dia desses, resolvi dar uma passada no século 19. Peguei o metrô L – também conhecido por Hell Train (rima com él, a pronúncia da letra “l” em inglês) – e parei em Williamsburg. O bairro dos artistas, da moçada e dos famigerados hipsters. A máquina do tempo não me levou direto aos anos 1800. Foi preciso caminhar um pouquinho. Mas nada mais longo que uma pessoa daquela época não andasse apenas para chegar ao banheiro – a casinha do quintal de casas que não tinham encanamento.

Já na Morgan Avenue – epicentro das atividades da pitoresca vila –, era possível avistar meu avô. Ou, pelo menos, alguém que se parecia com ele. Barbas enormes, porém aparadas de forma arredondada, profusões de chapéus coco, camisas de flanela por baixo de coletes escuros. Calças de lã grossa – sustentadas por suspensórios – e, pelo talhe, acho que seus cortes foram feitos a canivete. Botinas tipo coturno amarradas com barbantes feitos de hemp (a planta prima da maconha).

Que ninguém me considere um crítico de moda. Para mim, cada um se veste como quer. Eu mesmo já trajei, durante muito tempo, fantasias de camponês russo. Foi na época em que eu achava o bolchevismo a salvação da lavoura humana. Você não acredita o trabalho que me deu para achar o boné adequado. Fotos da época comprovam que minha figura bem poderia estar aos pés de Vladimir Lenin, numa daquelas imagens em que o homem falava às multidões.

Mesmo com a indumentária correta, nunca me veio à cabeça pegar em uma foice ou mesmo em uma enxada ordinária. Meu negócio era discurso em bar. No entanto, o pessoal de Williamsburg e Green Point (a zona adjacente e espécie de subúrbio pobre do bairro boêmio) resolveu colocar mãos à obra. Começou assando pão caseiro, dali partiu para a fermentação e engarrafamento de cervejas domésticas, e agora enveredou para a criação de animais de pequeno e médio portes. Não duvido de que, se eu tivesse ficado um tempinho a mais tomando umas no bar King’s County, teria visto um sujeito tocando gaita de fole e pastando uns cabritos.

E por que não? Já criam galinhas em números suficientes para suprir o mercado local. Não existe, praticamente, nenhum terreno livre que não esteja ocupado por hortas comunitárias e galinheiros. Tudo orgânico, claro. E os topos nos prédios agora se esforçam para suportar o peso de apiários. Não dá para você girar um gato pelo rabo sem atingir uma colmeia. Durante o verão, algumas rainhas saem em busca de outras freguesias para estabelecer sua comunidade. Os transtornos gerados por essas mudanças são enormes. Dia sim, dia não, a gente vê um enxame de centenas de abelhas cobrindo um hidrante, uma caixa de correio ou um carro. É preciso chamar os caras da Sociedade de Apicultura para retirar os aventureiros errantes.

Williamsburg está cheio de gente envolvida em sustentabilidade. Mas a primeira impressão de um turista é a de que caiu em um parque temático do fin de siecle. O observador mais arguto, no entanto, notará que aquelas figuras do passado com apenas um gesto mudam para o século 21 rapidinho. Você está olhando Dom Pedro II a seu lado e, de repente, ouve-se uma campainha. É o iPhone 5 do cara avisando que tem vídeo maneiro no YouTube. Já não se faz anos 1800 como antigamente.


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