O poeta que atravessa os séculos é tatuado. Carrega na pele as marcas do seu desígnio. Incorpora e metatraduz seu tempo, deslocando-o no espaço. O poeta faz a colheita e a terra muda. O desafio de afastamento e incorporação, de metalinguagem, deve ser superado em ritmo industrial e o Brasil, sincrônico à ginástica internacional do novo homem em resolver e propor, responde ao mundo com o movimento da Poesia Concreta. Isso faz mais de 50 anos, e um dos fundadores da fase literária Concretismo, o poeta do Rei Menos o Reino (1951) ao Não (2003), da recusa à facilidade, da recusa à repetição, da recusa à banalidade, aquele que João Cabral chamou de “poeta revolucionado”, Augusto de Campos, poeta de ofício e risco, tradutor, musicólogo, designer, completa 80 anos neste 14 de fevereiro.
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Em Poetamenos (1953) – segundo livro que só aparecerá impresso em maior tiragem na Noigandres Nº 2, revista das revistas de vanguarda, de autoria conjunta com os dois poetas que constituíram o movimento concreto, seu irmão Haroldo de Campos e Décio Pignatari – Augusto incorpora, numa relação estrutural de intertextualidade a “melodia de timbres” do revolucionário compositor austríaco Anton Webern. A poesia dialoga com a música: letras, palavras, fragmentos de palavras são coloridos em uma paleta selecionada. Nessa intenção programática da objetividade da poesia, tendo como premissa a raiz da linguagem, radicalizando e inaugurando novas condições operacionais para a função poética foi produzida a revista que durou até o nº 5, em 1962. Esse período é marcado pela relação de interlocução e trabalho com o grupo de pintores da Arte Concreta, o Ruptura, liderado por Waldemar Cordeiro.
De 1962 a 1967, os três poetas concretos de São Paulo mais os poetas Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald, ambos do Rio de Janeiro, sob os auspícios do designer Alexandre Wollner, montam e publicam a revista Invenção que mantém e injeta novas referências à estrutura reveladora da Noigandres, inspirada em Mallarmé, Ezra Pound, James Joyce e e.e. Cummings.
Tradutor de oito línguas, devemos a Augusto as maravilhosas versões para o português – “traduções-arte” e “transcriações” – de John Donne, Hopkins, Keats, Byron, Gertrude Stein, Emily Dickinson, Maiakovski, Rilke, Valéry, Rimbaud, para ficar com alguns poetas que mereceram livros inteiros dedicados a sua obra, sem grifar os poetas incluídos em Poesia Russa Moderna (1970), Poesia da Recusa (2006), Verso Reverso Controverso (1979) ou ainda Invenção (2006).
Outro filamento desse programa revelador dos concretos trouxe à vista as revidas: Revisão de Sousândrade (1964), Revisão de Kilkerry (1971), Pagu: Vida e Obra (1982). As incursões de “olhouvido” no plano da música popular com O Balanço da Bossa e Outras Bossas (1974), como “testa-de-ferro” do movimento da Tropicália – Caetano gravou ainda versões de Pulsar e Dias Dias Dias; Tom Zé, Cademar, Senhor Cidadão; e Torquato Neto, visitado em texto, diálogo entre gerações -, nas críiticas digitais contemporâneas em que Amy Winehouse e Lauryn Hill comparecem ao seu hall de admiráveis, e, no plano erudito, Augusto ainda lançou Música de Invenção (1998) e também escreveu e revisou a tradução de Rogério Duprat para o livro De Segunda a Um Ano (1985), do norte-americano, John Cage, cujo influxo é determinante para Augusto, isto pela nova dinamização do acaso assimilado em sua poesia, como procurava Cage.
Augusto, que pós-tudo aos 80, defende para si a ideologia de Valéry, em que “poeta não, mas poder ser”, e publica quase anualmente, em um fôlego insaciável e incansável, agora detendo-se com mais exclusividade à tradução de poesia. Não se tinge mais sua poesia e crítica nos grandes meios. Restringe-se. Augusto de Campos, o mais novo entre os novos, dos poemas tridimensionais Poemóbiles (com Júlio Plaza) já trançados entre 1968-74, o poeta dos Ex-Poemas (1980-85), aquele que compilou sua (c)alma, em poesia, e chamou Viva Vaia (1949-79), hoje somente tem espaço em revistas digitais de poesia, poemas verbivocovisuais, saturando essa linguagem que pertence a Dionísio, mas que, Augusto, como Prometeu, abre seu código a essa nossa era que promete – por ter o fogo e os meios nas mãos -, mas parece não se atentar justamente às conquistas, descobertas e invenções – que, agora, a nós pertence!
VAIAUGUSTO 80AC 2011dC
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